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sexta-feira, 28 de junho de 2013

CANJICA E OUTROS PECADOS (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Há quase dois meses que venho tentando segurar um regime. Tinha de ser assim. Aprecio roupas folgadas, confortáveis, e as que mais gosto estavam ficando desconfortáveis. Agora sei que a pessoa não perde em dois meses o que levou dois dias para engordar. É um verdadeiro sacrifício essa coisa de lutar contra as delícias da cozinha.
Ao chegar o mês de junho entristeci de vez. Nesse período de festas juninas as comidas típicas parecem desafiar todos os esforços para perder peso. E logo aqui no Nordeste, onde as comidas de milho e coco imperam em cada canto que a pessoa chegue. São tentações cheirosas, saborosas, coloridas, com aquele toque final bem caipira. Tudo de dar água na boca.
Ou a pessoa se tranca para nem sentir o cheiro junino se espalhando pelo ar ou começa a deixar aflorar seus instintos de gulodice. Não é tarefa fácil dizer não ao apetite, à vontade de sair experimentando ao se deparar com pamonha, canjica, milho assado e cozido, queijo saído da brasa, arroz doce, mungunzá, pé-de-moleque, bolo de todo tipo, uma infinidade de gostosuras.
Tenho sofrido muito por causa disso. Faço o máximo possível para fugir das tentações da gula junina, mas de vez em quando me sinto derrotado pelas minhas próprias mãos, meu olhar, minha boca. Juro que é só um pouquinho, só um pedacinho, e lá vou eu cortando uma fatia de bolo de milho, tomando um pouco de mungunzá, beirando a  canjica amarelinha espalhada no prato. O problema maior é a soma de cada pouquinho, cada pedacinho. Deus meu!...
E hoje, quinta-feira, acabei fazendo uma besteira maior ainda. Eis que ganhei umas espigas de milho vindas lá do meu sertão de Nossa Senhora da Conceição do Poço Redondo, e fui deixando pelos cantos com a intenção de não fazer nenhum uso. E tudo para evitar comida. Contudo, enquanto esquentava água para um café olhei num canto e avistei as tais espigas esperando destinação.
Ainda na palha, com cabelos pendendo pelo corpo verdoso, aguçavam os sentidos. E então tomei uma decisão impensada. Naquele mesmo instante resolvi preparar uma canjica. Não um pouquinho, coisa de dois ou três pratos, mas um caldeirão grande de canjica. Os três santos juninos certamente não me protegeram naquele momento, vez que rapidamente me lancei às espigas e em pouco tempo todas já estavam completamente desnudas e prontas para o passo seguinte.
Daí em diante foi uma trabalheira danada. Como não tenho ralador, peguei uma faca de mesa e fui debulhando o milho, caroço a caroço. Assim fiz numas dez espigas, creio que até mais. Depois passei o milho verde no liquidificador, ajuntando um pouco de água para cada porção. Após isso, era tudo levado ao coador e o líquido apurado do milho colocado na panela. Com o leite do milho juntado, acrescentei leite de coco também preparado no liquidificador, leite de gado, açúcar e sal. Um tiquinho de manteiga também.
Com todos os ingredientes, então teve início a parte mais demorada. Como se sabe, para que a canjica não fique com bolas nem com partes com caldo mais grosso que em outros, será preciso mexer continuamente, sem parar e com colher de pau. Desde que o fogo é aceso até o mingau amarelado chegar ao ponto, após exalar todo o aroma do milho e do coco e começar a borbulhar, a pessoa tem de estar ali mexendo a colher de pau. E coube a mim toda essa trabalheira. Quase uma hora assim.
Enquanto mexia a canjica ia pensando em quanto o ser humano é frágil diante de uma simples receita de comida. Por mais que prometa a si mesmo fugir daquela tentação e tudo faça para não cair no pecado da gulodice, de repente se transforma no próprio algoz. E depois da canjica pronta, derramada no prato e com canela espalhada por cima, exalando a junção do milho e do coco, só dá mesmo vontade de chorar. E por óbvias razões. Mas prometo não fazer mais isso. Nunca mais.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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