SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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sexta-feira, 3 de maio de 2013

MARIA DAS FLORES (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Justamente porque era demasiadamente apaixonada por flores que colocaram o apelido mais apropriado que podia existir: Maria das Flores. Seu nome era Maria das Dores, mas enchia-se de prazer e contentamento ao trocarem as dores pelas flores.
Contudo, era um deslumbramento meio estranho pelas flores, principalmente porque no lugar onde nasceu e sempre viveu jamais cresceu uma flor num jardim, num quintal ou mesmo num caqueiro de barro.
Realmente, ali não havia mesmo como brotar e frutificar um roseiral, um pé de violeta, de crisântemo, de girassol ou outra planta qualquer que florescesse. Sertão brabo, de chão esturricado e rachado pelo sol, mal nascia planta rasteira para alimentar bicho da terra. Até mandacaru cimentava com a secura de lá.
Por diversas vezes - atém mesmo por decreto municipal -, os moradores se viram forçados a cultivar plantas floridas em caqueiros ou em cantinhos protegidos do quintal. Recebiam sementes e até ajuda de custo para plantar e cuidar daquelas mudas que mais tarde seriam transferidas para a praça da matriz.
O prefeito até mandou distribuir fotografias com flores de diversos tipos e cores e estabeleceu um prêmio para quem apresentasse à municipalidade o primeiro roseiral do lugar. Não só a planta, mas o fruto florido e perfumado. Contudo, ninguém jamais conseguiu fazer surgir um só botão de rosa. Nem um murchinho sequer.
Por mais que cuidado tivessem, por mais mimo que devotassem - como numa criação de menino novo -, bastava o calorão descer junto com o sol de todo dia que a plantinha logo murchava e se esvaia de vez. Os moradores chegavam a chorar ao amanhecer e encontrar sua cria toda murcha e desmilinguida.
A descrença da população começou a ser tal que forçadamente passou-se a reconhecer ser impossível cumprir o decreto e fazer surgir ali uma flor. Assim, o grande sonho de ter no sertão esturricado um jardim florido se transformou num grande pesadelo. E o lugar até passou a ser maldosamente chamado de jardim de pedra.
Mas havia uma moradora que jamais aceitou essa situação. Desde novinha que era apaixonada pelas flores retratadas em revistas e então começou, já nesse tempo, a tudo fazer para um dia colocar na sua janela um lindo caqueiro com flores vistosas. Queria mesmo ter um jardim, mas seria um sonho difícil demais de ser alcançado.
Cresceu e se tornou moça velha, pois o pensamento nas flores a impedia de pensar em namorado. E foi uma das que mais se esforçaram para ganhar o grande prêmio do botão de rosa. E foi também a que mais chorou por não haver conseguido. Cada vez que plantava e sua muda definhava, também parecia secar. E parecia uma flor murcha.
Chorosa, se lamentando de canto a outro, porém não deixava morrer seu grande sonho. Numa manhã, após haver sonhado com canteiros majestosamente floridos, um jardim em arco-íris ali mesmo na sua casa, se mostrava tão desesperada que tomou a mais inusitada das decisões: encheria seu lar de flores as mais bonitas que encontrasse. Mas todas de plástico.
No mesmo dia viajou e do comércio da cidade vizinha trouxe embrulhos e mais embrulhos de flores de todas as cores, tamanhos e tipos. Tudo em segredo, bem escondidinho para ninguém saber ou perceber que o vistoso jardim em sua casa não passava de uma ilusão artificial, de plástico.
Arrumou toda a casa no meio da noite e na manhã seguinte o espanto tomou conta da cidade. As pessoas passavam diante de sua porta e janelas e ficavam boquiabertas com tantas flores vivas, bonitas, maravilhosamente desabrochadas. Queriam porque queriam entrar na casa para apreciar o milagre de perto, mas ela, sempre cautelosa, apenas dizia que elas ainda estavam frágeis demais para receber visitantes.
Assim que soube do feito milagroso da moça velha, o prefeito logo cuidou de bater à sua porta com um decreto à mão. Decretava a imediatamente desapropriação daquelas flores a bem da comunidade. Mas Maria das Flores nem se abalou com tal tentativa de tomada à força de seu verdadeiro jardim.
Mandou o prefeito entrar, chamou-o num canto e segredou-lhe ao ouvido. Depois de um demorado sorriso e de rasgar o decreto, o mandatário municipal saiu para tomar algumas necessárias providências. Às escondidas mandou comprar dez carregamentos de flores de plástico.
E no outro dia a praça da matriz amanheceu parecendo o Jardim das Tulherias.

  
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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