SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 2 de fevereiro de 2013

SOBRE SONHOS E COPOS (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Já se vão mais de três anos que tive de deixar de lado – só que não sei até quando – os prazeres da bebida. Juro que gostava demais de bebericar vinho, uma cervejinha gelada, uma dose de casca de pau, qualquer bebida do meu sertão. Quem tivesse seu uísque que não escondesse de mim. Nunca fui chegado ao malte apurado.
Acostumado a beber, até hoje amanheço de ressaca. Fato muito estranho depois de muito tempo forçadamente divorciado do copo, ao qual – não posso negar – nutria verdadeira paixão. Foi-se e me deixou ainda apaixonado, recordando sempre o véu gelado da borda, a golada gostosa e descomunal que dava. Traga mais uma. Que saudade danada!
Mas sim, eu dizia que até hoje amanheço completamente ressacado. Mas não de ressaca sedenta, enjoada, querendo botar o mundo pra fora, e sim com uma vontade danada de tomar outra. Quem não sabe vou informar: só amanhece com vontade de tomar outra quem não bebeu o seu limite de entornar na noite anterior.
Sobre a ressaca, sim. Como afirmei, amanheço de ressaca sem ter bebido e com vontade de tomar logo uma geladinha. E eis aí o desvendamento de todo o mistério. Sonho bebendo a noite inteirinha, e somente perto do amanhecer consigo desfazer do copo e tirar um cochilo. Pouco tempo depois amanheço completamente ressacado.
Talvez seja por isso - pela certeza que a mesa será posta com a dose de entrada e a geladinha no ponto, talvez acompanhada de um queijinho do reino sertanejo ou uma perna de preá assada – que mal amanheço e já fico desejoso que a noite chegue logo. E porque todo dia é assim, após as dez da noite deito na rede/botequim e fecho os olhos esperando ser servido. E que garçom prestativo é o do sonho.
Já fiz várias experiências e tentativas para ser servido mais cedo, durante os momentos que adormeço após o almoço. Mas nada. Quero forçar o sonho, deito pensando no copo, na cervejinha, na umburana apurada, no amigo chegando para sentar e jogar conversa fora, mas nada, não tem jeito. Quando muito sonho tomando suco, refrigerante, tudo adocicado demais. Talvez seja por isso que eu esteja ganhando uns quilinhos a mais.
Já que sempre acontece assim, gostaria de ter o poder de modificar um pouco tão generosos e etílicos sonhos. Pediria a Morfeu – o deus grego dos sonhos – que no ambiente onde minha mesa estiver não se aproxime ninguém para abrir a mala do carro e colocar insuportáveis baianadas; pediria a Hipnos – o deus do sono - que me permitisse sentar tranquilamente, recebendo a brisa, ladeado por amigos que não discutam sobre religião, política ou futebol.
Maravilhoso seria que Morfeu e Hipnos ouvissem meus rogos e permitissem aumentar ainda outros prazeres ao inquestionável prazer de beber. Como música, bem baixinha, de leve, apenas MPB4, Flávio Venturini, Lô Borges, Cláudio Nucci, enfim, a turma de Minas e o seu Clube da Esquina. “Na ribeira deste rio, ou na ribeira daquele...”, cantarola Dori.
E que me chegue, assim como poesia ao vento, a voz de Gonzaguinha cantando “Espere por mim morena, espere que eu chego já, o amor por você morena, faz a saudade me apressar...”. E que viesse no passo do pássaro a cantiga inesquecível de Simonal: “Descendo a rua da ladeira, só quem viu que pode contar, cheirando a flor de laranjeira, Sá Marina vem pra dançar...”.
Beber de bem com a vida, ouvindo poesia cantada, não há coisa melhor. Só mesmo na mesa de bar. Mas enquanto não volto a escrever poemas cheirando a limão ou recados amorosos na folha molhada de respingo de cerveja, tenho de me contentar com as minhas farras noturnas, em meio ao sono, em meio ao sonho. E Deus me livre que qualquer insônia venha tirar meu prazer.
Meus amigos jornalistas, advogados, escritores e poetas acham que estou endoidando. Não conseguem acreditar nessa minha história, principalmente porque não conseguem me reconhecer sem o convite para um trago. E dizem, preocupados, que talvez eu esteja bebendo demais, e às escondidas, sem convidar ninguém.
Infelizmente não posso convidar qualquer deles para sonhar comigo, para compartilhar da mesa após o adormecer, na farra de cada noite. E por falar nisso já estou com um sono danado.
  

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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