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quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

SINGULAR, PLURAL (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Na vida das pessoas, principalmente nos aspectos comportamentais, o singular e o plural delimitam os modos de agir, as concepções sobre as realidades e as decisões que devem ser tomadas.
Não há dúvida acerca do que seja singular e plural. O primeiro diz respeito àquilo que pertence a um só, a uma só pessoa, a uma única coisa, como um indivíduo, um objeto, um ser ou uma ideia. E o segundo indica a existência de mais de um ser, o que é múltiplo ou se refere a vários indivíduos, objetos ou seres.
Comportamentalmente citando, a singularidade se faz presente na interiorização do indivíduo, nas suas concepções íntimas acerca da realidade, nos conceitos que norteiam o seu mundo. É a visão própria. Por sua vez, a pluralidade seria o compartilhamento de atitudes, conceitos e pensamentos. Seria, assim, um diálogo para diversas compreensões e aceitações, ou não. 
Contudo, muitas vezes, ainda que o singular se imponha com precisão, nada impede que a pessoa se pluralize diante das circunstâncias. Nem tudo é tão pessoal que não possa se transformar em coletivo. Neste caso, a unicidade e a pessoalidade se dimensionam para aceitar a diversidade ou diferenciadas concepções.
Como observado, o singular e o plural aqui abordados não se referem apenas a categorias gramaticais nem a flexão das palavras para indicar uma ou mais pessoas ou coisas. O ponto de partida é a visão da fronteira entre o particular e o geral, e a observância do quanto se confundem nas situações de vida.
E isto porque ainda que gramaticalmente se distinga nitidamente o singular (um ser) do plural (os seres), situações existem em que tal distinção não se apresenta com tão fácil percepção. Em certas palavras, a flexão de número acarreta variações semânticas. O bem, como sinônimo de bom, por exemplo, se diferencia de bens, enquanto sinônimo de objetos ou coisas.
Da mesma forma ocorre com as pessoas. Muitos seres humanos existem que vivem tão sozinhos e afastados de tudo, num abandono tão doloroso, que deles se poderia dizer perdidos numa ilha urbana. E não seria diferente que abraçassem um só norteamento na vida. E até porque nem sempre conhecem outras verdades, outras feições, outros caminhos a seguir.
Outros abraçam a visão única sobre as coisas por outros motivos. Os que se acham donos da razão e capazes de tudo, não admitem de forma alguma pensar segundo opine outra pessoa. Ou o outro comunga do seu pensamento ou será visto com menosprezo. Há também os que vivem segundo teorias, com convicções inarredáveis, como que estranhos a outros conceitos e realidades.
Diversos exemplos podem ser citados como singularidade que parece jamais querer admitir a diversidade. Os evangélicos não admitem discutir religião a não ser segundo a concepção de sua igreja; os fanatizados morrem acreditando na verdade de sua seita; os pais geralmente definem seus filhos dentro de uma pureza tal que mais parecem anjos operando milagres sobre a terra.
E logicamente nada disso pode ser visto assim, ou exclusivamente assim. Todo aquele que respeita a opinião alheia, que busca no exemplo do outro uma lição a ser seguida, ou ainda sabe que até a ciência é passível de erros e a qualquer momento uma nova pesquisa poderá trazer outra verdade, tenderá a crescer através da pluralidade.
Ora, pluralidade na vida nada mais é do que buscar a realização através da simplicidade, reconhecendo a fragilidade humana e tentando multiplicar-se com as boas e úteis lições recebidas. Quem louva o plural foge da discriminação, do preconceito, da imposição. Duvida de tudo, quer saber mais e, o que é mais importante, faz de sua incerteza um caminho para alcançar o acerto, ainda que o certo seja apenas transitório.
Verdade é que o singular tenta fugir a todo custo da pluralidade. A sensação de medo é provocada pelo conhecimento único sobre as coisas, pelo temor de encarar outra realidade. Sua crença não pode ser afetada, sua certeza não pode ser contestada. E tudo isso pode ser desfeito pelo plural, pelo conhecimento das diversas faces de uma mesma feição.
Por fim, há o exemplar caso do espelho. Colocado num ambiente, pregado numa parede ou em cima de uma penteadeira, nada é mais singular que o espelho. Contudo, conhece tantas versões de uma feição, já espelhou tantas situações diferenciadas na mesma pessoa, que de repente se torna o exemplo maior da pluralidade dentro do singular.
  

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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