SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

PALAVRAS SILENCIOSAS - 97


Rangel Alves da Costa*


“Cada vez que leio Clarice me vejo diante de sua fotografia...”.
“Os olhos tristes, repuxados...”.
“Fumaça ao redor, angústia no olhar...”.
“Ela não escreveu para os outros...”.
“Em tudo um sentimento autobiográfico...”.
“E de um encorajamento infinito...”.
“Poucas escritores expressaram tão bem os sentimentos...”.
“Não só na primeira pessoa, mas como reflexo da própria existência...”.
“Um divã literário...”.
“Talvez uma carta angustiada, páginas gritando sensações...”.
“Vejo um pouco disso também em Florbela Espanca...”.
“Ah, quanto lirismo à flor da pele...”.
“Saindo da alma, tomando o mundo...”.
“Canto feminino de libertação...”.
“Das dores, das angústias, das aflições...”
“Uma mulher quebrando as regras do seu tempo...”.
“Os conservadorismos exacerbados...”.
“Para dizer do amor sem medidas...”.
“Florbela diz-se perdida em busca da felicidade...”.
“Mas a felicidade amorosa...”.
“Cavada nas profundezas da alma...”.
“Num lirismo que é, a um só tempo, brisa e ventania...”.
“E expressa seus sentimentos como se estivesse num balcão de bar...”.
“De copo à mão, olhos vermelhos, cigarro aceso...”.
“Como se não pudesse mais guardar dentro de si tanto amor...”.
“Por isso mesmo ela vai tecendo...”.
“Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida, meus olhos andam cegos de te ver! Não és sequer a razão do meu viver, pois que tu és já toda a minha vida! Não vejo nada assim enlouquecida... Passo no mundo, meu amor, a ler no misterioso livro do teu ser, a mesma história tantas vezes lida! Tudo no mundo é frágil, tudo passa... Quando me dizem isto, toda a graça, duma boca divina fala em mim! E, olhos postos em ti, digo de rastros: Ah! podem voar mundos, morrer astros, que tu és como Deus: Princípio e Fim!...".
“Fanatismo. Belíssima poesia. Ou...”.
“Eu sou a que no mundo anda perdida. Eu sou a que na vida não tem norte. Sou a irmã do Sonho, e desta sorte. Sou a crucificada... a dolorida... Sombra de névoa tênue e esvaecida, e que o destino amargo, triste e forte, impele brutalmente para a morte! Alma de luto sempre incompreendida!... Sou aquela que passa e ninguém vê... Sou a que chamam triste sem o ser... Sou a que chora sem saber por quê... Sou talvez a visão que alguém sonhou. Alguém que veio ao mundo pra me ver, e que nunca na vida me encontrou!”.
“Eu, outra magistral poesia. Lembra outra?”.
“Longe de ti são ermos os caminhos, longe de ti não há luar nem rosas, longe de ti há noites silenciosas, há dias sem calor, beirais sem ninhos! Meus olhos são dois velhos pobrezinhos, perdidos pelas noites invernosas... Abertos, sonham mãos cariciosas, tuas mãos doces, plenas de carinhos! Os dias são Outonos: choram... choram... Há crisântemos roxos que descoram... Há murmúrios dolentes de segredos... Invoco o nosso sonho! Estendo os braços! E ele é, ó meu amor, pelos espaços, fumo leve que foge entre os meus dedos!...”.
“Fumo. Talvez uma das mais comoventes e sentimentais poesias de Florbela...”.
“Como se vê, ela não usa volteios para expressar sentimentos...”.
“Canta aquilo que sente...”.
“E num canto apaixonado, entristecido...”.
“Em buscas das explicações...”.
“Para a solidão, para o desamor, para a tristeza...”.
“Por isso mesmo usa tanto a expressão perdida...”.
“Para dizer de sua busca...”.
“Eis, então, Clarice Lispector e Florbela Espanca...”.
“Em Clarice a nudez dos sentimentos...”.
“Em Florbela a nudez da alma apaixonada...”.
“E nas duas as verdades do ser...”.
“Quem precisam ser ditas sem ponderações...”.
“Simplesmente aflorando...”.
“Ainda que doa demais no leitor”.
“A dor do reconhecimento...”.
“Pois é isto mesmo que sentia ou sente...”.
“É isto mesmo que lhe fez sofrer...”.
“E também amar...”.

  
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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