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domingo, 23 de dezembro de 2012

O PIOR CEGO (Crônica)


Rangel Alves da Costa*
 

Cegueira é uma incapacidade orgânica que impede parcial ou totalmente a visão. É a condição de falta de percepção visual, devido a fatores fisiológicos ou neurológicos. É a incapacidade orgânica de ver.
Mas também, popularmente é tida como cegueira a falta de percepção ou de apreensão da realidade, do significado das coisas ou acontecimentos; a falta ou perda de bom senso, de lucidez, ou da capacidade de raciocinar, especialmente devido a sentimento ou emoção intensos.
Do mesmo modo, e mais usualmente ainda, cegueira significa ignorância, fanatismo, paixão exacerbada, intensidade no afeto, obcecação, tudo que perde o sentido da racionalidade para se fazer sem limites.
A cegueira, vista sob o aspecto do forjamento do irreal, provoca situações tão conflitantes que, na maioria das vezes, torna o indivíduo alheio à realidade e passivo de ser reconhecido até como insano, completamente tomado de loucura diante do absurdo que extasiantemente cria.
Haveria de se indagar, então, por que uma pessoa tida como normal, de repente não consegue enxergar aquilo que para os outros está tão claro. Ou, de outro modo, o porquê de uma pessoa simplesmente não querer perceber determinada realidade naquilo que está à sua frente, ao seu lado, no seu convívio.
Uma velha estória serve como ilustração do dito acima. A casa foi construída e jamais reformada. Um dia, debaixo de trovoada, as primeiras goteiras começaram a surgir. E o dono da casa simplesmente ignorou. Passados alguns, ele percebeu algumas pequenas rachaduras. Mas pequeninas, simplesmente ignorou
Numa tarde de vendaval, a casa chegou a estremecer. Mas o homem apenas olhou as estruturas no dia seguinte e concluiu que tudo continuava sem perigo algum. Por ali passou uma velha senhora e disse, quase que profeticamente, que do jeito que estava nem precisava de trovada ou vendaval para tudo desabar, bastando que o dono cismasse de bater com martelo um prego na parede. E disse ao homem que ou ele saía da casa para fazer os reparos necessários ou era melhor esquecer seus quadros e retratos.
Quando a mulher saiu, raivoso com as observações, o homem bateu a porta com ignorância e força. No mesmo instante ouviu um barulho estranho atrás, e mal teve tempo de olhar para cima e ver parte do telhado desabando. Correu para o meio do tempo, e da rua chorou feito criança ao ver tudo que tinha ficar debaixo de escombros.
Outra pequena estória exemplar. O eleitor era tão fanático por um candidato, mas tão apaixonado mesmo que aonde chegava vivia pregando suas virtudes, seu senso humanista, seus gestos benevolentes, sua inatacável condição de pai dos pobres e defensor dos oprimidos. E falava sobre planos, sobre o muito que iria fazer, sobre as maravilhas do mundo nas mãos do seu candidato.
Mas aonde chegava também encontrava alguém dizendo que muito cuidado com o que dizia e defendia, pois se observasse desapaixonadamente, se tivesse mais um pouquinho de atenção no seu deus candidato, logo saberia que o mesmo não passava de um aproveitador e chegado à corrupção. Então era preciso que alguém segurasse o fanático pra ele não aflorar todo tipo de violência.
Exemplos de cegueira se alastram por todos os cantos e meios. Nos seios familiares, nas instituições, e também nas religiões, seitas e crendices. A religiosidade impõe tamanha cegueira que se abdica da divindade para o apego a ídolos e falsos profetas. Despersonalizando totalmente o indivíduo, aos poucos o transforma num mero objeto sem identidade e sem qualquer tipo de resistência. Então é a hora em que o espertalhão, aquele que tem o olho aberto demais, começa a agir
E se assim vão os cegos tateando pelos seus mundos de ignorância, até que o abismo os acolha dizendo que tem asas.
 

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com    

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