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quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

AS VELHAS VIRGENS (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Dona Menina, Dona Moça e Dona Jovem, assim eram chamadas as três velhas senhoras – todas na beirada dos oitenta -, as mais orgulhosas de todas as mulheres que já pisaram na terra. Intimamente não tanto assim, mas fazer transparecer esse suspeitoso orgulho era verdadeira missão.
Mas orgulho de que? Ora, esse amor-próprio exagerado, essa doce ufania, não era causado por outra coisa senão por continuarem virgens naquela idade. Isso mesmo, virgens, invictas, sexualmente lacradas, castas, intactas, sem jamais um homem ter aberto a boca para dizer isso ou aquilo. Muito menos ter chegado lá.
Por outro lado, nas entranhas da alma tal orgulho se transformava num entristecimento indescritível, num sofrimento que se prolongava desde os primeiros instantes da dolorosa percepção que não conseguiriam se entregar de corpo e alma nos braços de qualquer homem atraente. E qualquer um porque a pétalas murchas não podiam mais se dar ao prazer nem da recusa nem da escolha.
Mas, enfim, os anos foram passando e com eles o tormento da solidão, a angústia da solteirice, o medo da velhice sem ter ao lado uma amorosa companhia que as aquecesse por debaixo dos panos. E já nessa distância da idade, nessa altura da curva do caminho, quiseram retornar para fazer tudo aquilo que não haviam realizado na mocidade ou mais adiante, na idade adulta.
Esqueceriam as vaidades, as imposições descabidas, as dificuldades criadas, os rodeios próprios das mulheres que querem fugir de seus pretendentes. Olhariam para os homens com outros olhos, na boca levariam sorrisos, estenderiam a mão para receber as flores perfumadas de desejos. E logicamente não afastariam as possibilidades dos namoros, dos abraços, das carícias mais apimentadas, das coisas próprias das paixões. Mas tudo se. Se pudessem voltar atrás.
Mas não. Agora era impossível qualquer retorno. Os erros cometidos tomavam os pensamentos como martírios, mas apenas causando íntimos sofrimentos, vez que perante os outros, externamente, a opção de se manterem solteiras e virgens teria que ser mostrada como a maior virtude entre elas, ainda que isso lhes custasse o preço da agonia. E que agonia, uma imensa relembrança do não tido como ainda agora, naquelas idades, gostariam tanto de ter.
Assim, diante dos outros eram umas felizes senhoras, sempre alegres, contentes, cheias de gracejos e fanfarrices. E se alguém perguntasse a qualquer das três – que ao entardecer eram sempre encontradas no mesmo lugar, na sala da frente da casa de uma ou outra – se não se arrependia de não ter casado, logo ouvia que nunca sentiu falta de homem nem das safadezas que costumam fazer.
Mas dentre elas, no encontro de todos os dias, as conversas eram totalmente outras. Sem ter mais o que esconder e perante as comadres do mesmo solitário infortúnio, deixavam que as mágoas, as vontades, os desejos e mesmo as safadezas brotassem com a alacridade da juventude, com o mesmo entusiasmo desavergonhado das mocinhas segredando perante as amigas.
E Dona Menina dizia: Bons tempos aqueles. Mocinha ainda, de coxa grossa e rabinho empinado, por onde passava ouvia um psiu, um chamado de gostosa, uma verdadeira tara. Bestona, seguia em frente toda orgulhosa, toda metida, sem olhar pra trás. E quanto homem espadaúdo, musculoso, bonito, deixei de chamar nos peitos e fazê-lo suar de prazer. Ainda hoje sinto uns arrepios quando vejo rapaz bonito passar. E chego a dar psiu em silêncio...
E Dona Moça dizia: Chega fico arrepiada ouvindo você falar assim. No interior onde eu morava tinha um moço da roça que parecia animal de raça. Olhava pra mim e me comia todinha com os olhos. Ao invés de avançar em cima do homem e lamber seu suor, tirar suas botas no dente e empurrá-lo na cama de capim, o que fiz foi dar uma bofetada no rosto. Quanto arrependimento. Ah, quanto arrependimento...
E Dona Jovem ajuntava: Tive tudo e nunca quis nada. Homem gostoso e safado nunca faltou ao meu redor. Ao invés de levantar a saia, abaixava mais ainda. Mas também não sentia o calor que ainda sinto, uma vontade danada de dormir com homem nu do meu lado. Juro que mesmo nessa idade ainda me deixava possuir como uma Messalina desavergonhada, mas...
Mas chegava uma sobrinha e o proseado era prontamente interrompido. Cada uma fingia entristecimento, melancolia, a angústia da idade. E Dona Moça olhava pra sobrinha e dizia que nem pensasse em namorar, que fizesse como ela, uma mulher honrada que nunca se deixou enganar por homem nenhum.
E as outras duas chegavam a gargalhar por dentro, e intimamente diziam: Vá minha filha, vá. Ao invés de a terra comer, que seja um homem que coma. Vá, minha filha, namore muito e gostoso, cuide logo de dar essa bacurinha.
  

Poeta e cronita
blograngel-sertao.blogspot.com

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