SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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quarta-feira, 14 de novembro de 2012

EM CIMA DO MONTE SAH’Y (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Até parece que o Monte Sah’y já me esperava há séculos. Ao chegar ao seu topo, logo senti que não havia sido vão tanto sacrifício para alcançá-lo. Estava cansado sim, exausto, estropiado, sangrando nos pés e nas mãos, mas infinitamente feliz e satisfeito.
Coloquei no chão o velho alforje com nada dentro, derrubei de lado cantil esvaziado, tirei tudo que restava de cima de mim e, completamente nu, me joguei por cima da terra sagrada. Silenciosamente contrito, entregue ao prazer de sentir como que cada grão estivesse entrando no meu corpo, assim permaneci até ser tomado por lágrimas.
Primeiro as lágrimas, depois o choro compulsivo, os soluços, o encharcar a terra com a umidez da lavagem espiritual. Sem procurar conter o choro, apenas levantei um pouco, me ajoelhei para que meus olhos nublados tentassem o enxergar o meu Deus que já estava à minha presença, à minha frente, enorme, grandioso, visível.
Impossível enxergar a feição de Deus de modo humano, de forma que pudesse sentir os traços do seu rosto ou o brilho do seu olhar. Deus é presença de outro modo, é compleição que se aperfeiçoa naquilo que queremos nele enxergar. Por isso mesmo que Deus estava ali. E o avistei na única flor existente em cima da aridez pedregosa do Monte Sah’y.
De lado a outro, apenas tocos petrificados de árvores seculares, pedras e pedregulhos, além de rochas escarpadas parecendo paredes erguidas pela natureza. Tais imensas paredes ficavam posicionadas apenas de um dos lados do cume do monte, mais precisamente na parte detrás do local de minha chegada.
Incrível que aquelas formações pudessem existir ali, vez que não tinha cabimento algum paredes rochosas, muito elevadas, tivessem sido formadas sem que houvesse nada do outro lado permitindo aquele acúmulo de sedimentação. Mas se as paredes estavam ali, então será que no outro lado havia alguma coisa a mais do que simplesmente as costas nuas das rochas?
Estava tão diante de tais formações que tudo nada mais parecia que não uma imensidão à minha frente. Recuei um pouco e comecei a ver as paredes de modo diferente. Já não eram apenas pedras dispostas verticalmente, mas linhas que já permitiam compreender algo além de meras rochas. Voltei mais um pouco, e depois ainda mais, e quando já estava quase no limiar entre o cume e o nada então abri os olhos o máximo possível. E no espanto a certeza.
Era difícil acreditar diante do que agora se mostrava tão claramente à minha frente. Uma imensa igreja, um grandioso templo, a mais linda das catedrais. Sem portas esculpidas na pedra, sem campanários, sem sinos que badalassem chamando os anjos, sem cúpula, sem altar, sem velas acesas, sem imagens, mas uma perfeita catedral. E com tudo isso, como eu perceberia depois.
Os rochedos eram três, dois menores de cada lado e um mais alto ao centro. As formações se entrelaçando permitiam a visão de uma só construção. A frente da catedral estava perfeita, linda, irretocável. Húmus descendo pelas frestas davam uma sensação de entorno das paredes, ora mais envelhecidas ora mais reluzentes. Sulcos abertos ao longo do tempo permitiam concavidades nas paredes que faziam lembrar entradas. Eram as portas da catedral.
Na parte mais alta da rocha do meio, bem lá no alto, um pássaro estranho fazia ninho. De baixo, do local onde eu estava, dava para perceber os gravetos em círculo e o passarinho entrar e sair dali. Não podia ser outra coisa, era um ninho. Mas que pássaro era aquele, bonito, majestoso, maior que os pássaros comuns que povoam os cumes das montanhas e montes?
Ao chegar o entardecer, e eu estando ajoelhado diante do grande templo, senti que uma imensa nuvem baixou a tal ponto de esconder nas suas vagas o ninho do passarinho lá em cima. Achando tudo muito estranho, porém sem temer nada ruim, permaneci por muito tempo lançando o olhar para a nuvem, mais precisamente para ver se voltava a avistar o ninho e o passarinho.
Mas quando escureceu mais um pouco, o que na hora dos homens seriam seis horas da noite, eis que ouço um canto majestoso vindo lá de cima. O sino da igreja, a campânula da igreja chamando os fiéis à missa, logo pensei. E em seguida o pássaro desceu imponente, de asas abertas, todo iluminado. Eis o Espírito Santo.
E abri os braços em reverência em cima da Monte Sah’y. E naquela noite Deus celebrou a missa da minha vitória.
  

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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