SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 3 de novembro de 2012

A DESPEDIDA DE ALCINO – E O SERTÃO CHOROU...


Rangel Alves da Costa*


Faltando poucos dias para o final de outubro, Alcino começou a sentir agravamento na enfermidade. No seu jeito de suportar tudo silenciosamente, e também pela enraizada esperança de recuperação, fazia tudo para não demonstrar as dores lhe afligindo ainda mais. Mas não precisava expressar verbalmente os sofrimentos. Tudo estava muito visível.
Num começo de tarde foi encaminhado para observação médica num hospital aracajuano, pois na capital sergipana tivera de forçosamente permanecer exatamente para receber pronto atendimento se algum problema maior ocorresse. Contudo, tal cuidado, se por um lado era necessário, por outro provocava problemas sérios psicológicos em Alcino.
Ora, por mais que se sentisse em franca recuperação, sempre esperançoso de readquirir ao menos parte da saúde fragilizada, psicologicamente vivia abalado pela distância de sua terra, de seu leito sertanejo. Como o escravo que intimamente chora o seu banzo por estar distante de sua tribo, e assim vai insuportavelmente se deteriorando, Alcino chorava por dentro a ausência daquilo que era sua vida: Nossa Senhora da Conceição do Poço Redondo.
Já não pedia para que colocassem suas músicas sertanejas, já não desejava ouvir tanto suas próprias músicas, as composições assinadas por ele. E isto acontecia logicamente para não sofrer ainda mais. Evitava, pois, povoar ainda mais a sua mente com as veredas espinhentas das caatingas, com a visão do amanhecer e do luar do sertão, com as lides de seus irmãos matutos debaixo do sol, com as histórias cangaceiras que tanto ajudou costurar na grande colcha dos mistérios e lendas. 
Como acontecera outras vezes, pensei que após alguns dias no hospital Alcino retornaria pra casa. Como juro que imaginava vê-lo lúcido, feliz, cheio de contentamento, retornando para o sertão e ser recebido pelos seus com lágrimas nos olhos, foguetórios, em esplendoroso êxtase. Assim acontecera outras vezes. Mas dessa vez não.
Na noite do primeiro dia do mês de novembro de 2012, eu estava diante do computador escrevendo um texto quando da porta do escritório chegou um sobrinho dizendo que fosse urgente até o hospital porque Alcino estava morrendo. Por lá já estavam outros irmãos meus. E foi em meio ao caos do trânsito aracajuano, por volta das 18:55h, em direção ao hospital, que o telefone toca e a notícia fatal: ele havia acabado de morrer.
Encontrei-o ainda no leito hospitalar onde havia dado o último suspiro. Ao redor, a dor e o desespero estampados nos olhos e bocas de todos. Cena terrível, angustiante, dolorosa demais para ser descrita. E o que sempre acontece em momentos assim: não acreditar que aquilo realmente pudesse ter ocorrido. Mas quando o espanto esfria se torna realidade. E depois...
Ao receber a notícia instante depois, não só Poço Redondo, mas toda a região sertaneja parou espantada, assustada, angustiada, aflita demais diante da partida do defensor maior de sua cultura e sua história. Seu ex-prefeito, seu amigo. E as lágrimas, os lamentos, as preces, e um reconhecimento tal que as casas permaneceram abertas, noite adentro, esperando o retorno do seu filho. Mas jamais como desejariam.
Após a confirmação do fato, a Rádio Xingó, na vizinha Canindé do São Francisco, passou a retransmitir o programa “Sertão, Viola e Amor”, ecoando pela triste noite sertaneja a voz de Alcino. E já na madrugada, por volta das duas horas, o corpo do filho chegou à sua casa, num retorno para a eternidade. E os seus irmãos em vigília para o reencontro e o último adeus.
Foi velado até as primeiras horas da manhã em sua residência, sendo depois levado para o velório oficial na sede da Câmara de Vereadores. E aconteceu na câmara por esta estar localizada no centro da cidade, tendo mais espaço do que na prefeitura, mas principalmente para facilitar o acesso da multidão sertaneja. Então começaram a chegar os sertanejos dos lugarejos mais distantes, pessoas humildes, da roça, da enxada, daquela vida que Alcino tão bem retratou.
Já perto das três da tarde o corpo foi levado para a igreja matriz para a realização da missa de corpo presente. Com o templo completamente lotado e pessoas do lado do fora, o ofício foi celebrado e em seguida tiveram inícios as manifestações dos presentes, os instantes onde, através da palavra, os amigos puderam expressar seus sentimentos. E neste momento pessoas do povo, políticos, historiadores e velhos amigos de Alcino fizeram a igreja chorar.
Dali para a última moradia. Não para transformar-se em pó, mas como terra unir-se à sua terra, continuar grão, semente e brotar eternamente no legado que deixou.

  
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Um comentário:

Antônio Galdino disse...

invernalomnoarTive pouco convívio com Alcino, a quem fui apresentado no Cariri Cangaço e depois ele participou, ativamente, do Seminário do Centenário de Maria Bonita, organizado pelo Departamento de Turismo da Prefeitura, que eu era diretor e coordenado pelo escritor João de Souza Lima. Passei a admirá-lo pela sua garra, fortaleza, determinação de defender suas idéias, seus princípios, sua gente, sua terra.
Também observei como era querido entre os colegas pesquisadores e escritores. Também, em que pese o pouco convívio com ele, senti muito esta perda. E, como uma homenagem, um registro para a história, abri espaço no site www.folhasertaneja.com.br para lembrar deste sertanejo forte e vencedor. O meu abraço, quase de um anônimo, de coração também sertanejo, para todos da família.
Prof. Antônio Galdino da Silva diretor do jornal Folha Sertaneja - Paulo Afonso - BA