SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 9 de outubro de 2012

PALAVRAS SILENCIOSAS - 38


Rangel Alves da Costa*


“Queria estar agora lá fora...”.
“Com todo esse temporal caindo?”.
“E nua, toda nua...”.
“Os pingos parariam no ar para apreciar...”.
“E pular, e brincar, e cantar...”.
“Não deixa de ser romantismo pluviométrico...”.
“Apenas uma vontade de liberdade...”.
“Liberdade molhada...”.
“Caindo por cima de mim, escorrendo, jorrando, encharcando...”.
“Não acho uma má ideia...”.
“Parece coisa de criança, mas nos faz tão bem...”.
“Lembro de muita coisa quando criança...”.
“Debaixo da chuva?”.
“Sim...”.
“Quem passou pela infância e não tomou banho de chuva não sabe o que perdeu...”.
“Não só o banho, mas o ritual da molhação...”.
“Coisas de criança...”.
“Quanto mais a chuva era forte melhor...”.
“Fugindo de casa...”.
“Escapando ou mesmo no quintal...”.
“Quando os pais deixavam...”.
“Sabiam que era melhor deixar...”.
“Sob pena de fuga...”.
“Pulava a janela, saía escondido pela porta dos fundos...”.
“E ia se juntar aos outros...”.
“Isso mesmo. Parece que todo mundo tinha o mesmo pensamento...”.
“Pena que com menina não era assim...”.
“Mas havia muitas meninas correndo de canto a outro...”.
“Mas digo da nudez, do despojamento...”.
“Ah, sim. Isso era com a gente...”.
“A chuvarada caindo e vocês brincando pelas ruas...”.
“Correndo, procurando goteiras pelas calçadas...”.
“E os pais gritando...”.
“Preparando o castigo, já de palmatória na mão...”.
“Minha mãe me batia e depois chorava...”.
“Também eu sentia um entristecimento danado nos meus...”.
“Uma vez eu perguntei se eles não haviam sido crianças...”.
“E o que responderam?”.
“Minha mãe baixou a cabeça e o meu pai saiu da sala...”.
“Em silêncio?”.
“Um silêncio que era um grito...”.
“Talvez estivessem saudosos dos tempos idos...”.
“Das crianças que foram um dia...”.
“Fiquei agora com uma saudada danada...”.
“Não poderia ser diferente...”.
“Um dia de chuva forte peguei no braço de minha mãe e a levei até a porta detrás...”.
“Pensando fazer o que?”.
“Tomar banho debaixo da chuva junto com ela...”.
“E ela aceitou...”.
“Aceitou não, mas me deixou fazer o que eu bem quisesse...”.
“E ela só apreciando do vão da porta...”.
“Mas depois...”.
“Depois o que?”.
“Percebi que ela estava com os olhos cheios de lágrimas...”.
“E então?”.
“Então cheguei juntinho e perguntei o que estava sentindo...”.
“Que momento...”.
“E ela disse que nada, que apenas um pingo d’água havia caído no rosto...”.
“Que doce e bela mentira...”.
“Eu sabia que ela chorava...”.
“Mãe é assim mesmo, nunca admite ao filho que chora...”.
“Mas naquele dia foi diferente...”.
“Ela acabou admitindo?”.
“Não. Acabou soluçando!”.


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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