SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 23 de outubro de 2012

O BONITINHO (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Ele realmente se achava o melhor, o mais bonito, o mais tudo, de todos. Narcisista sem igual. Contudo, não imaginem logo que o dito era uma daquelas pessoas tão abjetas e intragáveis, do tipo chegado a gabolices, vaidades, janotices, ostentações desmedidas, presunções e arrogâncias. Nada disso.
Era pessoa simples, nem feia nem bonita, meio chuva meio sereno, como se diz. Amigueiro, solícito, atencioso, respeitador de todo mundo. Se não fossem alguns probleminhas de auto-embelezamento e de achar que vivia sempre no mais completo estado de perfeição, então poderia muito bem ser visto como pessoa absolutamente normal.
Sem condições financeiras para sustentar o que achava e dizia ser e sem poder ostentar por cima do corpo nada daquilo que ao menos o diferenciasse em algum aspecto, procurava brilhar simplesmente com suas aspirações, sonhos e devaneios. Seria amalucado o rapazinho, faltando-lhe algum parafuso lá onde a mente deve funcionar melhor?
Creio que não se tratava de doidice não. Doido age muito diferente, ainda que geralmente ninguém perceba quando a maluquice vai tomar expressão. Contudo, não deixava de ter atitudes estranhas demais ao se pavonear acerca de tudo que lhe dizia respeito. E era uma verdadeira tragédia vê-lo entristecido diante de qualquer crítica ou consideração negativa a seu respeito, ao seu jeito lindo demais de ser.
Vestia uma roupa limpíssima, cheirosa, cuidadosamente engomada com dobra e tudo, e corria a se mostrar perante os amigos, ou que imaginava que eram. Chegava e nem esperava que ninguém abrisse a boca para dizer que estava assim ou assado, pois ele mesmo dizia sobre sua roupa belíssima, combinando as cores, bem ao estilo da estação. E dizia qual o sabão usado para lavar, qual o amaciante utilizado, quais os cuidados para deixar aquelas dobrinhas tão bonitas.
O seu cabelo estava sempre penteadíssimo, brilhoso, todo formatado em brilhantina, de modo que enquanto não secasse de vez nenhuma ventania faria a desfeita de espalhar um fiozinho. E quando seco, sempre aos cuidados de um pente e de um espelhinho de bolso, pareciam dunas maravilhosamente onduladas. Era quando tudo fazia para que qualquer imprevisto não assanhasse um tantinho assim de suas formosas madeixas.
Quando chegava à casa dos amigos para uma visitinha qualquer, antes mesmo dos habituais cumprimentos o rapazinho começava a dizer que o lindão havia chegado, o gostosão, o pedaço de não botar defeito. E corria até o espelho, e corria a procura de pente, e se danava a perguntar o que achava daquela roupa, do seu cabelo, da formosura de sua pele naquele dia.
Verdade é que muita gente passou a comentar sobre seus exageros. Por consequência, as más línguas logo chegavam a conclusões nada meritórias para o bom moço. E tinha gente que jurava que o dito não passava de um afeminado, de um mariquinhas cheio de frescuras e trique-triques. Aqueles de verbo sujo e língua solta diziam em alto e bom som que aquilo era um viadinho doido pra soltar a franga de vez.
Como conversas desse tipo não demoram a chegar aos ouvidos do falado e comentado e, no caso, do aviltado na honra de moço bonito, então a fofocagem caiu-lhe como uma bomba. Mas não conseguiu derrubar de vez a auto-estima do bonitinho, que daí em diante decidiu que mostraria aos maldosos com quantos paus se faz uma canoa.
Quer dizer, estava disposto a dar o troco bem dado, na medida. Só que esperava que uma boa alma fizesse isso por ele. Talvez uma pessoa estranha que, percebendo as maldades humanas, saísse em sua defesa. Seria até mais bonito que fosse assim. Pensava entristecido.
Então vestiu uma roupa velha, rasgada, em grande parte remendada, dessas vestes tão conhecidas nas pessoas mais empobrecidas da sociedade. Colocou nos pés um chinelo faltando pedaços, e de cabelos assanhados saiu para fazer seu costumeiro itinerário. Entrou na casa de um alegre como sempre, cumprimentando normalmente, fazendo a festa já conhecida. Entrou na casa de outro e repetiu o seu costumeiro entusiasmo. E em todo lugar se olhava no espelho e depois dizia que nunca havia se sentido tão bem.
O rapazinho enlouqueceu, tá maluco de pedra, perdeu o juízo de vez, era o que se comentava de canto a outro. Até que ouvindo o espanto todo, o doido varrido da cidade – pois em todo lugar existe um – se aproximou de uns conversadores e perguntou por que agora eles diziam aquilo com o rapazinho, pois se ele andava todo arrumadinho era boiola, e agora era chamado de maluco só porque estava maltrapilho.
E ajuntou: Afinal de contas, como é que vocês querem que os outros sejam? A vida dos outros depende do que vocês acham ou deixam de achar? E digo mais: já vi gente dando topada porque só se importava com o passo dos outros. E cuidado que tem um buraco bem na frente de cada um.

  
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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