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sexta-feira, 5 de outubro de 2012

NUDEZ (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Todo mundo nasceu nu, porém a nudez se torna tabu, afronta social e até crime. Atentado violento ao pudor, ação obscena. Todo mundo nasceu nu e assim permanece por alguns anos sem que tal fato ofenda a ninguém, mas em seguida tem de usar vestimenta exatamente para não ofender.
Todo mundo nasceu nu, e primeiro a fralda e depois a roupinha para não afrontar com a nudez e ficar adequado ao consenso social do vestir. Todo mundo nasceu nu e assim permaneceria se algumas pessoas não sentissem vergonha do próprio corpo. E porque estas se escondem em panos, os outros não podem continuar como desejam.
A Bíblia, no Gênesis, fala na nudez, mas não como o pecado que se apregoa. Primeiro diz que Adão e Eva estavam nus e não se envergonhavam; depois, após cometerem o pecado, viram a nudez de modo vergonhoso e procuraram se encobrir com folhas de figueira. Contudo, a vergonha não foi pela nudez das partes íntimas, mas pela fraqueza do corpo caído em tentação.
Daí ser correto afirmar que a nudez em si não é nem pecado nem vergonhoso. O que transgride, afronta princípios, condena moral e socialmente, é o tipo de destinação que se dá à nudez ou o objetivo que se tem ao andar nu. O nu pelo nu nada mais é que o homem em seu estado original, muito diferente do despir simplesmente para utilizar acintosamente das faculdades do corpo.
Urge, pois, desnudar a nudez para compreendê-la. De modo geral, tem-se a nudez como o estado do corpo nu, a ausência de roupa por cima de uma pessoa, o corpo sem ornamentos ou peças que cubram suas partes. Por consequência, nu é o não vestido, o despido, o pelado, sem qualquer vestimenta, aquele que está como veio ao mundo.
A criança nua é paparicada, mexida, remexida, beijada, cheirada, adorada, para mais tarde ser mandada vestir a roupa sob pena de umas palmadas. E quando cresce mais nem se fala, pois parece que a decência e a honradez humana se resumem ao seu comportamento no vestir. Daí em diante a nudez é quase pecado, fim de mundo, coisa de desavergonhado.
Sem nada que justifique, pois o nu tanto faz o braço, a perna como a bunda, pois num só corpo e parte dele, mas elevam a nudez à categoria dos exageros, dos absurdos. Acham belo e poético a pintura representando o nu. E logo justificam a nudez artística, a criatividade do artista, a expressão corporal ali tão bem retratada. Mas coitada da modelo ou musa, que só pelo fato de ter ficado nua já será vista com outros olhos.
Vestido abaixo do joelho; por debaixo da roupa tem de haver ainda a calcinha ou a cueca; sentar e mostrar a calcinha é coisa de rapariga; andar com roupa curta demais é coisa de mulher quenga. Ainda hoje são encontradas situações desse tipo, e não apenas nos interiores mais distantes. E não será inverdade afirmar que ainda existem aquelas que cumprem seus deveres sexuais tanto cobertas em lençóis como em roupas folgadas. Tudo para não pecar. Neste caso, o pecado não é o sexo, e sim a nudez.
Por que a nudez do outro é tão instigada, desejada, imaginada, bisbilhotada, enquanto a própria nudez é tão preservada e até proibida na maioria das situações? Por que a nudez se veste para provocar a mesma nudez? Por que a nudez imaginária de outra pessoa tem o dom de instigar a imaginação de tal modo que se tem mais da pessoa do que em estado de nudez?
Diante das inúmeras indagações que poderiam surgir, basta citar mais uma, e talvez conclusiva: Por que o nu é tão proibido se o homem é essencialmente um ser nudo? Ora, se um homem nascesse predestinado aos panos, as vestimentas não seriam uma convenção social para ser considerada somente a partir de certa idade.
Emerge uma última questão: O que é nudez, afinal, é o ficar sem roupas ou manter-se, diante de todos, na pele do nascimento? Fica nu apenas aquele que tira a roupa? Neste último sentido, toda questão da nudez se volta apenas para o vestir, para a não transgressão da convenção social, para o não mostrar as partes íntimas.
Creio que o senso moralista que firmou o vestir como regra e a nudez como exceção – quando deveria ser precisamente o contrário -, procurou não preservar o corpo humano das vistas dos outros, mas apenas e tão-somente esconder aquilo que seria absurdo que a pessoa deixasse à mostra: os órgãos genitais, o sexo, as vergonhas, as partes baixas. Talvez porque achem que não façam parte do corpo, mas daquele paraíso tentador e pecaminoso.
Mas nada impede que os olhos avistem a nudez no corpo que bem entender, ainda que vestido em roupa de aço. Já que imaginar não é proibido, então a nudez está em todo lugar, principalmente naquela que passa faceira e pedindo que a olhem como se estivesse sem roupa. Faz diferença?

  
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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