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domingo, 14 de outubro de 2012

NO CAMINHO, COM MAIAKOVSKI: OS FATOS E AS CONSEQUÊNCIAS (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


O que são fatos? Fatos são coisas, ações ou acontecimentos; ocorrências, eventos ou circunstâncias. E o que são consequências? Além de serem os reflexos dos fatos, são também os resultados de alguma coisa, os seus efeitos e os seus alcances.
Pois bem. Muitas vezes os fatos são tão patentes, visíveis e analisáveis, que ninguém, ao menos agindo na normalidade humana, poderia deixar de conhecê-los e até compreendê-los. E isto para mais tarde não se deparar com consequências desagradáveis, chorando o leite derramado quando percebeu a panela fervendo. E nada fez...
Mas por que dizer isso, quando aparentemente do conhecimento de todos? Ledo engano. Pode até ser que seja do conhecimento de todos, mas eis que surge sempre o problema da cegueira social, do ver e deixar pra lá, do não querer acreditar ou enfrentar a realidade até que a bomba estoure.
Ora, são inúmeros os exemplos onde somente quando os fatos tomam proporções incontroláveis, cujas consequências já são as mais danosas possíveis, que as pessoas querem voltar no tempo para remediá-los na raiz. Entretanto, quando já é tarde demais. Daí valer a velha e verdadeira máxima dizendo que seguro morreu de velho.
Permitirei uma ilustração poética. Os contornos dos fatos e das consequências podem ser observados no poema “No caminho, com Maiakovski”, do poeta niteroiense Eduardo Alves da Costa (com o mesmo sobrenome do meu, mas infelizmente sem linhagem familiar), cujo excerto diz o seguinte:

"[...]
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem;
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.
[...]"

No poema, onde estarão os fatos? Logicamente que a aproximação, o roubo da flor, o pisar as flores, matar o cão, entrar sozinho na casa, roubar a luz e arrancar a voz da garganta. E as consequências, onde estão os efeitos e alcances? Estão na passividade desde o primeiro momento que tomaram conhecimento dos fatos, na continuidade da aceitação e, finalmente, na normalidade com que tudo infelizmente se torna.
Ora, se não digo nada quando entram no meu jardim e roubam uma flor; e também prefiro calar quando entram pela segunda vez para pisar as flores e matar o cão; e ainda silencio de vez, sinalizando aceitação, quando mais uma vez entra qualquer um, mas não mais no jardim, e sim na casa, e destrói o restante que encontra, então plantei para colher tais consequências.
Contudo, há no poema consequências maiores da inação, da passividade e da fragilidade que não apenas no entrar no jardim, destruir o que quiser, e depois na casa, para desfazer o que resta de esperanças. A impotência do homem, a sua submissão, a sua covardia e sua falta de senso de irresignação são as consequências maiores.
E no poema um alerta: O mal deve ser cortado pela raiz. Se deixar que tudo, por ser aparentemente um nada, vá simplesmente acontecendo, mais tarde, quando o frágil mostrar suas garras, já será muito difícil de combatê-lo.
  

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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