SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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quinta-feira, 25 de outubro de 2012

AUSÊNCIAS (Crônica)


Rangel Alves da Costa*


Estou, mas não estou; este que sou eu talvez não seja; sinto-me, me olho e me vejo, mas não me compreendo; tudo diz de mim, mas o que em mim restou para que seja assim? Talvez o meu erro tenha sido querer ser demasiado eu sem respeitar minhas ausências.
Tanta vaidade ao querer ser demais; tanto orgulho ao pretender ser além do que podia ser; tanto egoísmo para pensar na possibilidade da presença, mesmo não estando. Por ser assim, achava que cada ausência causaria falta, saudade, o necessitar da presença. E fui sumindo sem ninguém perceber ou desejar retorno.
E daí em diante somente a ausência. Procuro-me e não acho, me quero e não encontro, me caço e não vejo nem rastro. Um dia gritei para chamar alguém, um dia corri para encontrar alguém, um dia dormi para sonhar com alguém. Mas como o vento que bate na muralha e retorna, me fiz eco sem sair do lugar, sem ninguém encontrar. Nem a mim mesmo.
A sombra reflete a presença, o passo deixa a marca de quem passou, o portão entreaberto presume a chegada ou a partida, tudo servirá de vestígio de alguém ou algo que está por ali. Mas não estive lá nem em outro lugar. Não sei onde estou, mas sei que não estou lá. Minhas ausências provam que não sai daqui. Onde também não estou.
Tudo de repente se faz ausência, por que comigo seria diferente? A memória dissipa, o outono esvoaça, a solidão desaparece, a alegria tem sumiço, a infância que não mais existe, a mocidade que já passou. Persiste a esperança, mas até quando?
Ora, a dúvida persiste, insiste, magoa. Olharam meu rosto e disseram enxergar ali um sorriso, uma feição boa, um certo contentamento; disseram ter ouvido minha voz, me ouvido cantar, e que até ensaiava um passo de valsa; afirmaram que jamais me encontraram com aspecto tão radiante e cheio de felicidade. Eis a prova de minha ausência, pois nada disso existiu em mim.
Sei que não me encontraram assim porque sei que estava muito ausente do sorriso, do contentamento, da felicidade. E também não estava em qualquer lugar que pudesse ser avistado, encontrado. Ando tanto ausente que muitas vezes não sei onde estou ou possa ser encontrado.
Lembro bem que numa noite de insônia abri um velho dicionário escolar e tateei em busca da palavra ausência. E lá me encontrei, ou seja, desde aquele dia eu não estava mais. Eis que as palavras diziam sobre falta, distanciamento, carência, afastamento, vazio. E principalmente inexistência.
E falava ainda acerca da ausência como afastamento de uma pessoa do lugar em que se deveria achar, falta de comparecimento, desaparecimento momentâneo de uma pessoa, período em que alguém deixou de ser visto ou de estar presente. Enfim, a ausência como condição daquele que está ausente ou não-presente.
Mas foi o termo inexistência que realmente me fez compreender sobre a ausência em mim. O inexistente é algo tão profundo como a raiz inexplicável da filosofia. Alguns diriam que inexiste aquilo que jamais existiu; outros afirmariam acerca da precariedade da existência, ou seja, algo que de tão fragilmente existir acaba como sendo inexistente.
Mas eu diria de outra forma sobre minha inexistência, e tendo por fundamento a possibilidade da minha existência um dia. O percurso fatal é do existir até alcançar a inexistência. Mas agora recordo de alguma coisa que poderá servir para desvendar tal mistério, o enigma da existência que deixou de existir.
Eis que um dia – e isso recordo muito bem – passei de criança a menino, adolescente. Naquele momento eu existia tão completamente que imaginava poder alcançar tudo o que bem entendesse. Então comecei a buscar, a conseguir, a querer muito mais. Até que um dia quis amar. E profundamente amei até descobrir que o amor seria muito melhor se houvesse outro alguém que me amasse. Mas eu amava sozinho. E ela não. Nem ao menos reconhecia o meu querer, o meu desejo, o meu amor.
Continuei amando, mesmo na ausência da pessoa amada. E amei de tal modo que me ausentei da realidade para viver tal amor. E ainda hoje continuo amando. E ausente do melhor a viver. Nas ausências, bastaria uma simples presença. Talvez a minha. Ou a outra, a sua...

  
Poeta e cronista
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