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quinta-feira, 20 de setembro de 2012

PALAVRAS SILENCIOSAS - 19


                                             Rangel Alves da Costa*


“Olhando aquele espelho...”.
“O que é que há no espelho?”.
“O passado, tantas recordações...”.
“Pensei que tais coisas eram fruto apenas da lembrança...”.
“Não. O espelho também tem o dom de provocar essa viagem...”.
“Como assim?”.
“Com a gente mesmo, comigo principalmente...”.
“A imaginação viajando por dentro do espelho...”.
“Não. A minha face refletindo o ontem, o passado, um tempo muito distante...”.
“Continuo não entendendo...”.
“Compreender é tão fácil, meu amor, tão fácil. Pena que já é noite e há pouca luz...”.
“A luz para o espelho refletir?”.
“Também, mas principalmente para mostrar como o espelho possibilita essa viagem ao passado...”.
“Então faça de conta que há luz e estou diante do espelho...”.
“Ótimo, excelente ideia. Então fique bem em frente ao espelho e se olhe...”.
“Sim...”.
“Vê o seu rosto, seu semblante, seu aspecto facial próprio?”.
“Sim. Sou eu mesmo e me reconheço como tal...”.
“Ao se revelar assim, refletido, lembra mais de alguém?”.
“Eu mesmo, principalmente quando era mais jovem...”.
“Mire-se bem. Sua aparência não lembra mais ninguém?”.
“Sempre disseram que me pareço com meu pai. Então...”.
“E seu pai talvez parecesse com seu avô, e este com seu bisavô...”.
“E toda uma linhagem familiar preservada nas feições...”.
“Sim. Não só o sangue que corre no rio da hereditariedade, mas a aparência física também...”.
“E daí, a partir da lembrança que meu pai parece comigo, e ele com meu avô, então todo um passado vai sendo rebuscado através do espelho...”.
“Isso mesmo. O espelho representa o que somos agora e o que de nós existiu noutros tempos...”.
“Na própria pessoa, sem precisar voltar tanto nas suas raízes, será possível esse rebuscar...”.
“Basta o olhar, basta perceber o quanto vamos mudando...”.
“O brilho no olhar...”.
“A tessitura da pele...”.
“A vivacidade na aparência...”.
“A ruga que surge...”.
“O fiozinho branco de cabelo...”.
“A criança de um dia...”.
“O espelho amigo...”.
“A juventude com tudo na perfeição...”.
“Até que o olhar distraído resolve ficar um pouco mais diante do espelho para, de repente, perceber o quanto está mudando...”.
“E o entristecimento...”.
“Geralmente o entristecimento...”.
“Nunca vi alguém de repente enfrentar sua realidade no espelho para que não entristeça...”.
“Mas depois sorri...”.
“Com o passar do tempo vai se aceitando e começa a sorrir novamente...”.
“Pelo que está?”.
“Não, pelo que foi...”.
“É o retorno ao passado...”.
“É o estar ali e se enxergar como era noutro tempo, na infância, na juventude...”.
“Amanhã farei isso...”.
“O que?”.
“Olhar-me de verdade no espelho...”.
“Mas não para entristecer...”.
“Não para o entristecimento, mas para a alegria...”.
“Motivos terá...”.
“Mas uma alegria diferente, a satisfação do reencontro, o desejo de reviver...”.
“Seu passado, o ontem?”.
“Não. Quero enxergar minha mãe na minha face. Só isso. Quero enxergar minha mãe na minha face...”.



Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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