SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 17 de setembro de 2012

PALAVRAS SILENCIOSAS - 16


                                           Rangel Alves da Costa*


“Vai fechar a janela?”.
“Hoje não...”.
“E por quê?”.
“Deixe a noite entrar um pouquinho no quarto”.
“E o vento leve, dançante...”.
“Quase brisa soprando...”.
“Tão bom que não fosse perigoso...”.
“Mas uma janela aberta ou fechada não faz muita diferença”.
“Quando querem agir entram pela porta, pelo telhado, por qualquer lugar...”.
“Mas preciso desse momento, dessa presença da noite...”.
“Os seus mistérios...”.
“Sim. Os mistérios encantadores da noite...”.
“É o negrume povoado de segredos e enigmas...”.
“Repleto do conhecido e do desconhecido, do esperado e do inacreditável, do normal e do surpreendente...”.
“Realmente, a noite instiga, desperta, provoca...”.
“Pelo que somente após o anoitecer acontece...”.
“Os amores, as entregas...”.
“As promessas, as buscas, os encontros...”.
“Os sussurros, os murmúrios, os suores, os prazeres...”.
“Mas também as dores, as angústias, as aflições...”.
“O contraditório, a contraposição...”.
“Isso mesmo. Enquanto uns amam, se beijam, se abraçam, outros gritam de solidão, de medo, de temor...”.
“Sem falar que as enfermidades ressurgem mais fortemente quando a noite cai”.
“Momento também para a lágrima de saudade, para a dor da recordação, para o afloramento dos mais pesarosos sentimentos”.
“E tudo emoldurado pela escuridão entrecortada pelo alumiar da lua...”.
“E quando é lua cheia os loucos querem voar, subir à montanha, bater suas asas...”.
“E também as loucuras de amor, os poemas riscados à luz da vela, a fotografia buscada no velho baú...”.
“E lá fora os lobos famintos, os homens insaciáveis, os animais na espreita, os olhos brilhantemente sedentos...”.
“E os lobos uivando sua solidão nas estepes...”.
“Os amantes pulando janelas, se escondendo debaixo das camas...”.
“O último copo, o último gole, o cigarro acesso, a vida noctívaga...”.
“O poste aceso, o bêbado a ele abraçado...”.
“A música do vento, o canto da hora, a valsa da lua...”.
“A janela aberta, a janela fechando, a luz apagada. O que será feito a seguir?...”.
“O vulto solitário caminhando pela rua...”.
“O grito dilacerante cortando o silêncio...”.
“A morte, a morte, a morte...”.
“Não. A vida a vida, a vida, a vida. E um choro de recém-nascido é ouvido...”.
“Depois novamente o silêncio”.
“E a noite povoada, tomada por seus habitantes...”.
“O rebuliço nos quintais...”.
“O lobisomem, a visagem, passos desconhecidos...”.
“A mula-sem-cabeça, o fogo-corredor, o fogo-fátuo, uma estranha luz no meio do breu...”.
“Serão olhos, serão vaga-lumes, um tição surgido do nada?”.
“As histórias, estórias, lendas e causos surgidos assim...”.
“Da noite, na noite, sem ninguém testemunhar...”.
“Mas todo mundo sabe que existe...”.
“E existe mesmo. Não se deve duvidar de nada que envolva a noite...”.
“Os seus mistérios infinitos...”.
“Sim. E os seus amores também...”.
“Assim?...”.
“Sim. Sempre assim!”.



Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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