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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 17 de agosto de 2012

VIAGEM À MINHA TERRA (Terceira parte)

                  
                                            Rangel Alves da Costa*


Além da missa, ainda que estivesse programada algum outra festividade, comemoração de rua ou na praça de eventos, nada mais aconteceu na noite do sábado. A não ser no tradicional forró de Miltinho, um salão de bar que se transforma em pista para os apreciadores do autêntico e atrativo forró pé-de-serra.
Segui até lá atravessando a pista asfáltica que corta a lateral da cidade em direção a Canindé, mas ainda era cedo demais para encontrar o salão já repleto de forrozeiros. Proseei um pouco com o amigo Miltinho e outros velhos conhecidos, e retornei para junto das pessoas que se aglomeravam adiante e já prontas para o ralabucho sem igual.
Conversando, cheguei a comentar da importância daquele forró de Miltinho para a cultura sertaneja. Se noutros tempos eram muitos os salões (no bar de Delino, no bar de Missião, no salão da prefeitura e outros locais) que recebiam sanfoneiros de renome, tais como Zé Goiti, Dudu, Zé Aleixo e Agenor da Barra, dentre tantos outros, e que no toque do pandeiro e no cantar ritmado de Zelito dançavam o dia inteiro e viravam a noite, agora só resta o forró de Miltinho.
Pura contradição, vez que logo próximo dali está localizada a praça de eventos sempre pronta para receber bandas caríssimas e de gosto musical duvidoso, e o que restou aos amantes do forró, do xaxado, do baião, do autêntico pé-de-serra, foi apenas um salão acanhado que não suporta cem pessoas dançando, apreciando e bebendo. Uma briga ali, vixe-maria! Se alguém gritar “olhe a faca”, é gente entalada nas portas que nem pra frente nem pra trás.
Ainda assim é o que temos de mais autêntico e devemos agradecer. E preocupação particular de uma pessoa humilde que conhece bem o gosto de parcela da população e que por isso mesmo procura manter a tradição do forró, ainda que em grandes festividades alugue o espaço a outra pessoa e por ali permaneça apenas como apreciador da melhor música que possuímos.
Daí a minha insistência em apontar o grande erro dos recentes administradores municipais que contratam apenas bandas para a praça de eventos, e logicamente voltadas para os mais jovens, e deixando a outra parcela da população, os amantes do melhor ritmo sertanejo (com sanfona, zabumba, triângulo e pandeiro), sem qualquer outra opção que não a do forró de Miltinho.
Do mesmo modo que menosprezam a cultura forrozeira, se distanciam cada vez mais das tradições culturais locais. No domingo, defronte a igreja, houve apresentação de um grupo pastoril do povoado Bonsucesso, mas tudo organizado por particulares, por pessoas como Lú e Dorinha de Maristela. Como mediadora da rivalidade entre os dois cordões estava a jovem Quitéria, que segundo a professora Márcia Paula desde cedo começou a batalhar pelo resgate das tradições folclóricas de sua região. Dava gosto ver o garotinho dando ritmo aos cantos ao toque cadenciado de sua caixa.
Antigamente não havia festa de agosto que logo ao alvorecer os pífanos da família Vítor não despontassem pela estradinha, tomassem a Rua de Baixo ou Rua dos Vaqueiros (depois Av. 31 de março e agora Av. Poço Redondo), pois local de moradia de vaqueiros como Abdias e Mané Cante, e seguissem em direção à matriz. Na passagem os fogos anunciando que as chaves das festividades já estavam chegando no sopro dos pífanos.
Chegando à igreja, entravam tocando os instrumentos e faziam rodas de reverência à padroeira Nossa Senhora da Conceição. A caixa batia, o sopro tomava entonação, e as pisadas completavam a genial musicalidade matuta. Em seguida se posicionavam do lado de fora, junto à entrada, onde permaneciam dedilhando os instrumentos de tabocas, cujos contatos com os lábios e o sopro dado, permitiam o surgimento de melodias que lembravam cantos passarinheiros. Era Alzira, Zé Vítor, Mané Vítor e demais familiares de uma prole que marcou época na cultura local. E que falta nos faz...
E o que se tem agora disso tudo? Nada, absolutamente nada, pois não se vê nem os pífanos nem as cavalhadas, os folguedos folclóricos nem os forrós sendo ouvidos e dançados pelos salões. Infelizmente, falar em autenticidade cultural com os mais jovens é em incorrer no risco de não ser ouvido ou ser visto como reles utrapassado.
Imaginar que a cultura de um povo pode ser transformada em modismos baratos, em eventos festivos sem qualquer proximidade com a tradição local, é o mesmo que pretender que estas e as futuras gerações se desenvolvam na apatia e na burrice pelo afastamento de sua própria herança cultural. E o pior: sem ao menos conhecer para tentar resgatar e preservar parte daquilo que está na própria raiz sertaneja.
Sábado, como todas as noites de agosto, estava frienta demais. Quem estava pelos bares bebendo ainda suportava o estranho clima noturno da região semiárida, mas quem não tinha o que fazer por falta de opção, não restou outra saída senão o recolhimento mais cedo, ainda assim já tarde da noite em vésperas festivas. E foi o que também fiz. Não que estivesse cansado da viagem nem com sono, mas pelo que eu planejava fazer logo cedinho, ainda com a manhã não completamente acordada.
Levantei às três e meia, e quando o relógio marcou quatro horas eu já estava colocando o pé fora de casa. Destino: Bairro São José.
Continua...      


  
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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