SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 15 de agosto de 2012

VIAGEM À MINHA TERRA (Primeira parte)


Rangel Alves da Costa*


Desde muito que amigos reclamavam do meu distanciamento do berço de nascimento, lá no sertão sergipano do São Francisco, na mais autêntica aridez nordestina, minha querida Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo. Nome de santa e lugar, nome que gurado com devoção!
Para quem não sabe vou contar, mas para os mais jovens do lugar quero que fique enraizado no orgulho sertanejo: nos seus descampados, caatinga adentro, na Gruta do Angico, nas beiradas do Velho Chico, o cangaço receberia seu maior golpe em 28 julho de 38 com a morte de Lampião, Maria Bonita e mais nove cangaceiros; a povoação foi o lugar onde mais filhos resolveram seguir as lides cangaceiras, com mais de vinte meninos e meninas, rapazinhos e mocinhas.
Tanta história e geografia, por isso tenham orgulho de seu lugar: Passando por suas terras, Antônio Conselheiro cortou a estrada de Curralinho e construiu a igrejinha que fica ao alto da entrada da povoação, com vista para o São Francisco; são muitas as marcas que confirmam a presença do homem pré-histórico, como pode ser comprovado no Morro da Letra, nas proximidades da Serra da Guia; aliás, esta serra é o ponto mais alto de Sergipe, e na Guia faz moradia a maior parteira do Brasil, quiçá do mundo, Zefa da Guia, sob cujas mãos já veio a luz uma verdadeira nação sertaneja; nas terras do município repousam assentados o maior de trabalhadores rurais do MST no estado; é ainda o maior município em área territorial de Sergipe.
E agora a contrabalança de tudo. Segundo dizem os últimos governantes, principalmente o penúltimo e o atual, é também o município mais miserável, mais pobre, mais lastimoso, e com uma população que não pede esmola porque não tem força no braço para erguer a mão. Mas tudo mentira, num vergonhoso jogo de enganação para que as autoridades governamentais pensem que o município é o Haiti sergipano e transfiram recursos que nunca bastam para nada. Também pudera, vez que as necessidades do povo continuam as mesmas e um grupelho político-administrativo cada vez mais enriquecido, pançudo, vomitando egoísmos e vaidades.
  Tudo isso me dói como espinho de quipá adentrando a pele, cortando minha veia matuta e ferindo minha honra sertaneja. Mas por enquanto deixemos o castigo de molho para o tempo certo. Verdade é que orgulhoso e cheio do brio matuto dos homens valentes, nasci lá quase na metade dos anos sessenta. Menino moleque, traquina amigo da lua e do sol, deixei minha bola de gude, meu cavalo de pau e minha infância por lá quando, nos idos dos anos setenta, tomei o rumo da cidade grande.
Vim estudar e aprendi ter saudade, viver amargurado com as lembranças do meu riachinho Jacaré em época de cheias, as matarias encantadas ao redor da cidade, as tantas brincadeiras e os amigos que lá deixei. Alguns tão verdadeiros que servem de estrada todas as vezes que quero avistar a velha cancela, o povo humilde, o povo em fartura de sertanice, o meu povo feliz na sua medida de sobrevivência.
Contudo, confesso que por vezes fiquei mais distante de lá do que deveria. Um filho não pode ficar tão distante de sua casa, principalmente quando daqui ouço o grito dos amigos, sinto o cheiro do café torrado, da carne assada, do cuscuz. Um filho não pode se ausentar por tanto tempo quando todo o seu espírito jamais deixou de estar noutro lugar, no berço de nascimento.
Verdade é que de vez em quando estou por lá realizando audiência, exercendo meu ofício advocatício. Mas coisa rápida, passageira, entrando e saindo em poucas horas, muito diferente do que sempre penso em fazer, que é ter tempo para o abraço, para o proseado com os conterrâneos, o caminhar pelas ruas, o encontro com minhas paisagens, o reviver um tanto de minha história e do meu lugar. Não há coisa mais apaixonante do que se afastar do centro e ir encontrando aos poucos a realidade ao redor: a verdade no povo, nas moradias, os olhares, os gestos, a sertanejice... Eu também sou tudo isso!
Eis que resolvi visitá-la com mais vagar agora no mês de agosto, nas proximidades das comemorações alusivas à nossa querida padroeira: Nossa Senhora da Conceição. Daí o nome do meu lugar: Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo. E Poço Redondo como homenagem ao riachinho Jacaré que circunda a sede e que em tempos atrás possuía um imenso poço (e redondo) onde os velhos vaqueiros acorriam para enganar a sede dos animais em tempos de estiagens.
“Adonde vai assim cumpade levando esse gadinho que tá só no couro e osso?”. Perguntava um, ao que o outro respondia: “Vou ali no poço redondo dar de beber aos bichinho”. E o poço do riacho, a cavidade de água salobra minando sempre, acabou dando nome ao lugar. E para ser abençoado nada melhor do que ecoar a voz fervorosa da fé do seu povo na devoção a Nossa Senhora da Conceição, cuja veneração maior se dá a 15 de agosto, numa comemoração que geralmente se inicia no dia 13.
Assim, foi também com essa intenção comemorativa que cheguei ao meu lugar na noite do último dia 11, num sábado que já anunciava grande expectativa pelas festividades. Povo feliz, povo festeiro, não se falava noutra coisa senão na festança. Para os mais religiosos não, pois as comemorações alusivas à padroeira em nada foram afetadas, mas todas as outras comemorações de repente caíram por água abaixo. E depois contarei como e por que.
Continua...



Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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