SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 29 de agosto de 2012

PALAVRAS (Crônica)

                         
                                                          Rangel Alves da Costa*


O que são palavras, para que servem, por que somente os seres humanos as utilizam para se expressar?
Ora, as palavras nada mais são do que a voz do olhar. Os olhos vêem, dão um significado, buscam um nome. E dizem suas impressões. Eis a palavra.
Servem para nomear os seres e as coisas. E jamais deveriam servir além disso. O homem bem que poderia viver sem falar tanto e dizer quase nada.
Amor é palavra bonita, desejo também; e tão gracioso é ouvir o nome pronunciado pela boca de alguém que tanto se gosta. Mas a boca bem que poderia calar, vez que o olhar expressa muito mais.
Por que as palavras são tão diferentes, sendo que algumas nem deveriam ser ditas?
As palavras são realmente diferentes, contraditórias, num misto de pureza e de maldição. Por isso mesmo que há dois tipos de vozes segundo as palavras.
A primeira voz é a do olhar. Dificilmente o olhar pronuncia palavra que não seja bondosa, carinhosa, graciosa. E o olhar não mente, não inventa, não modifica a palavra. O que o coração manda é o que será expressado.
A outra voz, tão abominável voz, é a que sai, que parte, que é pronunciada através da boca. E quantas fortalezas seguras já foram destruídas pelas mentiras, aleivosias, fofocas, falsidades, palavras vis e interesseiras.
Maldita a boca que se abre para pronunciar o pior, o terror, o horror, a violência. E amaldiçoada a boca que se abre no intuito apenas de ferir, de magoar, de reduzir o próximo a uma condição de verme.
A voz através da boca não deveria existir. Nenhuma palavra deveria ser pronunciada pela boca. Se uma de suas funções é ser caminho de alimento, de água e de outras substâncias, que somente a isto fique reduzida.
Que deixe para o olhar toda a palavra, toda a expressão, todo o dizer. Duvido que o olhar de pessoa honesta, honrada, temente a Deus, expresse a voz da iniqüidade, do pecado, da podridão, da miséria humana.
Duvido que o olhar, aquele olhar puro e verdadeiro de pessoa sincera e de bom coração, ecoe palavra para maldizer o homem, para ferir a natureza, para macular os seres da criação, para denegrir tudo de bom que sobre a terra repousa.
O olhar que avança pela montanha, que alcança a nuvem, que voa com a revoada, que balança na onda do mar, certamente que não tem tempo de pensar em pronunciar senão palavras doces, amorosas, repletas de felicidade e contentamento.
O que a boca pronuncia corte, derrube, destrua, extinga, ameace, avance, mate, amedronte, dizime, acabe com tudo de vez; o olhar certamente pronunciará conserve, preserve, cuide, proteja, alimente, semeie, produza, sobreviva.
Eis a grande diferença entre a voz que sai da boca e do olhar. Daquela a mácula, o impensado, a ferida já aberta, a chaga incurável, o pior que possa existir; desta, a compreensão, o sentimento, a conscientização, o desejo que tudo seja sempre melhor para todos e cada um.
Mas somente a palavra vinda da boca é ouvida, entendida, ecoada, possui reflexos imediatos no ouvinte; enquanto que a voz do olhar, a sua palavra, que por mais que seja grito, nunca é escutada na medida que deveria ser, nunca é entendida por quase ninguém, pouco reflexo teria diante do homem. Tudo isso alguém poderia argumentar. E com razão.
Mas sua razão perderia sentido no instante em que soubesse que nem todas as pessoas querem ouvir palavras vindas da boca, principalmente de uma boca qualquer. Conhecedoras que são do que as bocas são capazes de pronunciar, muitas vezes preferem o silêncio a qualquer palavra.
E tais pessoas não só se admiram com as palavras do olhar, mas também aumentam o diálogo com a vida através da voz do coração. E que voz maravilhosa de se ouvir, que palavra mais verdadeira de se transmitir.

  

Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: