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sábado, 25 de agosto de 2012

NUNCA DIGA NÃO (Crônica)


                                                Rangel Alves da Costa*


O jovem discípulo procurou o seu velho mestre, senhor dos anos e da solidão nas montanhas, com uma grande questão a resolver.
Queria saber como agradar a todos, mesmo discordando do que fazem e do que dizem. Então o velho sábio respondeu-lhe num segundo: “Nunca diga não!”.
“Mas eu evito dizer não, meu senhor”. Disse o jovem, ao que o velho prontamente respondeu:
“Já o disse. Na sua resposta havia a palavra não”. O discípulo ficou pensativo por alguns instantes e depois indagou:
“Sim mestre, riscarei tal palavra de minha boca. Mas que outra palavra posso usar para mostrar meu descontentamento e dizer que discordo do que falam, do que pensam ou como agem?”.
E o mestre respondeu: “Transformando toda discordância e todo descontentamento em proveitosa lição”.
“Mas como farei isso, se correrei o risco de concordar com o erro apenas para ser simpático. E não apenas isso, pois...”.
E foi prontamente repreendido: “Nunca diga não!”.
“Sim mestre, aceite as minhas humildes desculpas. Mas como eu ia perguntando, como posso transformar o erro do outro em algo proveitoso sem repreendê-lo, sem prontamente dizer onde está errado para que haja a reparação?”.
E ouviu do sábio: “A recriminação é sempre injusta diante de qualquer pessoa, principalmente quando é levada a efeito apenas para mostrar sabedoria ou superioridade. Ninguém é superior a ninguém, ninguém pode querer ensinar quando lhe falta ciência do que sabe. Assim, é preciso tratar a discordância como algo próprio de quem está capacitado apenas para pensar daquela forma...”.
“E o que farei depois de evitar discordar no momento?”. Questionou o jovem.
“Após demonstrar concordância ainda que discorde de tudo, será preciso mostrar como tudo poderia ser diferente. Evitando o confronto, mostrando que tudo poderia ser diferente de outro forma, certamente que será o caminho para o bom  senso e o entendimento”.
“Mas se a pessoa não tiver discernimento para...”. E teve que silenciar para ouvir do velho mestre:
“Jovem desatencioso, já disse e repetirei mais uma vez: nunca diga não!”. E em seguida pediu-lhe que prosseguisse.
E o jovem perguntou: “E diante do absurdo, como agirei?”.
“Apenas se espante. Não será omissão, conivência ou negligência apenas mostrar a indignação através do semblante. Muitas vezes a feição diz mais do que palavras afobadas e sem medir consequências”.
“E diante da mentira, como farei?”. Indagou o outro. E ouviu:
“Sorria, apenas sorria. O sorriso tem o dom de cortar diamantes, laminar penhascos, dourar a pedra bruta. Do mesmo modo é capaz de desmascarar, de fazer desabar as mentiras, as falsidades e aleivosias. Ora, quem mente odeia encontrar um sorriso à sua frente. Basta sentir e logo saberá que não vingou seu gesto desnaturado”.
“E diante da brutalidade, como agirei para me defender?”
“Verdade que toda ação merece reação, mas esta de modo exemplar. Retorquir violência, brutalidade ou ignorância com as mesmas ou ainda maiores armas apenas despertam a fúria e a sanha inconsequente e impensável escondida no ser humano. Será preciso domar o outro pela palavra, pelo gesto afável, pela não reação descabida...”.
“Mestre, mas o senhor pronunciou aquela palavra...”.
E o mestre reparou: “Sim, eu disse não. E quero que você a diga tantas vezes quando for preciso. Mas primeiro terá de aprender a evitá-la. Conhecendo o não será possível transformá-lo em sim. Mas antes disso nunca diga não!”.

  

Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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