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quinta-feira, 30 de agosto de 2012

A CONVERSA DOS SANTOS (Crônica)


                                                Rangel Alves da Costa*


Eu mesmo não acredito, mas como ouvi vou contar. Se não quiser acreditar faz mal não, mas depois não vá dizer que nessa vida tudo é capaz de acontecer. Mas se quiser acreditar e depois repassar como verdade, aí já é problema seu. Deixe-me fora disso, ademais quando a mentira envolve estória com nome de santo.
E é a estória de uma mocinha que sempre frequentava a igreja, indo ali rotineiramente para tentar se livrar de alguns pecados, confessar parte de seus tantos erros de mulher demasiadamente afoita, mas também ouvir a conversa de dois santos colocados num pedestal de parede.
Somente quando a oração maior terminava é que começava a ouvir os santos conversando entre si, a murmurejar, a dizer coisas numa língua muitas vezes incompreensível. E porque não entendia e queria saber o que eles tantos falavam, então ela pedia que gentilmente esclarecessem os termos utilizados, falassem numa linguagem que pudesse entender.
E ouvia de um que conversavam sobre os falsos sentimentos religiosos, as beatices forjadas, a fé sem compromisso algum com a religiosidade e a utilização da igreja para fins outros que não a busca dos ensinamentos divinos. Mas de antemão antecipava que não era nada com ela, pois já estava mais do que provado que o que vinha fazer ali se qualificava como um grande mérito cristão, que é abraçar a igreja como um lar espiritual.
E não acontecia o mesmo com muitas outras pessoas que acorriam até ali com seus terços, rosários, xales sobre a cabeça, livros católicos nas mãos, Bíblias desgastadas pelo tempo, mas não porque eram lidas e estudadas. Ao chegar em casa outra coisa não faziam que não jogar o livro sagrado em qualquer canto. Eram conhecidas as histórias de livros santos usados como travesseiros, como suporte de pé, e até como arma para ser arremessada na cabeça de desafeto.
E um dos santos revelou um fato até engraçado, e este dizendo respeito ao costume que muitas senhoritas tinham de chegar ali e simplesmente fazer que estavam lendo atenciosamente um salmo ou evangelho. Só que com o livro santo de cabeça pra baixo. Sem falar da vez que o livro escorregou da mão de uma e o que se viu depois foi que apenas a capa com letras douradas era verdadeira. Por dentro escondia um romance erótico.
E outro santo logo perguntou como ele sabia que era erótico, de safadeza. Insinuando ainda que talvez contivesse alguma imagem e ele tivesse cometido um indefinível e imperdoável pecado. E não havia pecado maior do que um santificado lançar o olhar ao pecado visível, à fornicação, ao engalfinhamento libertino.
Para aliviar a tensão, o outro santo respondeu que de dentro caiu apenas uma fotografia da falsa beata, a própria dona do livro, e que o pecado maior foi mesmo ter avistado aquele retrato tão horroroso. Verdade que ela estava com pouca roupa, mas também verdade que não dava pra distinguir onde se limitava qualquer parte do corpo, de tão balofa que era a metida a esbelta.
E alargando o proseado, diziam que muitas daquelas faziam do templo um centro de fofocas, um local para falar mal da vida dos outros; outras procuravam na beatice, na freqüência assídua, apenas um meio para aliviar seus tantos pecados ou simplesmente fingir que não faziam aquilo que costumavam às escondidas. E o pior é que muitas vezes não respeitavam nem um lugar sagrado como a igreja. A afirmativa de um fez o outro pedir que dissesse por que estavam desrespeitando até a casa maior.
Pareciam duas vizinhas fofoqueiras, dois santos mexeriqueiros que não tinham nada mais importante a fazer. E logo se ouviu que o desrespeito não era só de algumas que frequentavam ali, mas, e principalmente, do senhor reverendo. Eis que o safado do padre era useiro e vezeiro de receber beata na sacristia para dar as bençãos da safadeza. Não uma nem duas, mas diversas vezes já tinha visto ele aos abraços com uma e outra. E o que acontecia lá dentro...
O outro santo exigiu que o par parasse imediatamente com aquela conversa, principalmente porque deveriam respeitar a mocinha que ainda prestava atenção no que diziam. Mas depois de sorrir, a jovem simplesmente disse: “Na minha próxima conversa com Deus não me esquecerei de dizer como certos santos passam o tempo na igreja. Mas não esquecerei de jeito nenhum!”.
E nunca mais se ouviu conversa de santo por ali. Quando a mocinha chegava e olhava naquela direção, as imagens petrificavam de tal forma que pareciam esculpidas no granito. Então ela começava a sorrir, levantando a saia até mostrar o alto das coxas. E um dia o pior aconteceu.
Ao sentar e cruzar as pernas, ouviu as duas imagens desabando, caindo num baque só.



Poeta e cronista
e-mail: rac@hotmail.com
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