SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 24 de julho de 2012

UMA CASINHA, COQUEIRAIS AO REDOR... (Crônica)


                                                Rangel Alves da Costa*


Isso mesmo: uma casinha, coqueirais ao redor, e mais adiante, pertinho das águas, uma velha canoa. E a paz, o silêncio, e quando muito o barulhar das ondas e o vento agitando as folhagens.
Talvez eu queira demais na vida. Mas como veem, não sonho em morar em mansão, em chalé luxuoso, em castelo medieval reformado, mas apenas numa casinha, num casebre de barro e coberto de palhas, ao lado de coqueirais...
Pincelo na tela matuta o meu desejo tão maravilhosamente sublime. Imaginando-me vivendo, morando, acordando e anoitecendo, caminhando naquela paisagem fácil de encontrar naquelas pinturas a vida de pescadores, suas moradias e seu universo.
Mas não pretendo ser pescador, ainda que das águas também vá tirar o alimento saudável e fresquinho. Peixe pescado com tarrafa, com vara comprida e anzol, com armadilha de rede pequenina. Só quero um peixe a cada dia.
Minha maior intenção é fazer a amizade que jamais consegui na cidade grande. Sonho em ser amigo do verde, das plantas nativas, dos coqueirais, da areia fronteiriça à vida, da tarde serena, da manhã altiva, da noite imponente, da lua poética.
Desde muito que guardo palavras para dizer ao silêncio possível ali, ao vento dançante existente ali, à brisa perfumada que mora ali. Tenho um segredo para contar à concha que chega à areia, ao pequeno molusco esquecido pela leve onda. Tenho um grito para falar com a montanha e um assovio para brincar com a revoada.
Ah, como eu queria ter mais, muito mais. Sei que não tenho muito mais a dar porque passei grande parte de minha vida conversando comigo mesmo, dando vida a personagens que se escondem em folhas, escrevendo versos para um amor desamado.
E essa minha vida criando mundos imaginários e jogando ramalhetes na janela de que nunca abria foi me consumindo e deixando um vazio imenso. Meus personagens certamente são mais alegres e vivazes do que sou, o apaixonado da poesia ainda sonha e deliria de amor. E eu fui me tornando apenas esse que ainda sou...
E o que sou não será nada se algum dia não conseguir entrar na tela com paisagem e cenário descritos acima. Aquela mesma da casinha no fim do mundo, ou bem pertinho da vida, que tem silêncio, paz e coqueirais ao redor.
Que bom se meus olhos olhassem adiante e só enxergasse azul, essa cor no horizonte e nas águas também esverdeadas. E mais tarde encontrasse o vermelho-alaranjado do entardecer e se preparasse para o marrom do resto do dia e o negrume luminoso do anoitecer.
Lua por cima e a escuridão trazendo seus sons, suas vozes onduladas, farfalhantes, murmurantes, tudo numa leveza de vida que não se preocupa em passar. E eu deitado na rede armada entre dois coqueiros, apreciando a melodia do tempo e desejando adormecer para sonhar com aquilo mesmo ao redor.
Não faltará gás no meu candeeiro, não faltarão livros na minha estante, e todos de um só autor. Só preciso de Jorge para a vida, aqueles mesmo Amado dos bordéis cacaueiros, dos coronéis desbravadores, dos jagunços fiéis, das ladeiras negras ensanguentadas, dos terreiros de santos africanos, dos velhos marinheiros arriscando a vida, dos lenços chorosos da beira do cais...
E talvez uma poesia riscada na areia e sem ser de amor nem de paixão, sem rimas nem estrofes metricamente estruturadas. Apenas versos escritos com a ponta de pau e cantando as belezas de um novo amor que agora me ensina que a vida só é bela quando na comunhão de Deus e da paisagem mais nativa que houver.
Vou acender o fogão de lenha e colocar por cima um peixe enrolado na palha de coqueiro. Já fiz o pirão de água de siri mole, já trouxe a aguardente que guardo dentro do coco, já lavei minha mão para saborear com os dedos essas delícias do dia.
E depois a rede, a tarde, o entardecer, a vida...


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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