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sábado, 14 de julho de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (80)


                                             Rangel Alves da Costa*


Uma nova mulher não nasceria assim após um banho. Uma outra mulher não surgiria assim de hora pra outra. Um novo ser não se aperfeiçoaria por causa de um corpo lavado, de uma estranha água escorrendo, de uma sujeira retirada por cima do corpo.
Mas uma nova mulher poderia surgir no espírito refeito, renovado, purificado. A água do banho apenas traria leveza à alma, mas a verdadeira limpeza haveria de ser obtida espiritualmente.
E eis a jamais esquecida lição do sábio da montanha:
“Mulher, mas o que será mesmo uma mulher? Não a vejo pelo nome, pelo porte físico, pela estatura, pela simpatia, pela beleza, pelo jeito no andar, no falar ou no vestir. Para mim, tais características não qualificam verdadeiramente nenhuma mulher. Mas sei que existem mulheres, que posso vê-las, encontrá-las. Contudo, meus olhos são cegos demais para enxergá-las como realmente deveriam ser avistadas. Os meus olhos, ainda que de lince ou misteriosamente interpenetrantes, jamais conseguiriam enxergar o que há de mais importante numa mulher, que são os seus valores intrínsecos, interiores. E não há uma mulher distanciada destes valores. Fora disto, por mais deusa que possa parecer, de corpo escultural e canto de sereia, não passará de reles aparência nua. E nua da essência absoluta, primordial e sempre necessária numa fêmea. Quem dera poder olhar a mulher e nela enxergar a beleza interior, um ser permeado de retidão e verdade, uma pessoa cuja alma não se transfigura para perpetrar a má ação, a injúria, a aleivosia. Quem dera que estes meus velhos olhos pudessem olhar a mulher e dizer da justiça no seu coração, do justo pensamento na sua mente, da luz da humildade que há em seu espírito, da sua função humanitária na vida. Não imaginem que quero demais, que digo demais, que apenas cito qualidades difíceis demais de ser encontradas, Nada disso. Esta mulher pode está adiante, ao redor, no seu jeito simples e meigo de ser. E eis outra verdade que me vem agora: será difícil encontra a beleza no ouro, na pedra reluzente ou de alto valor venal. Dai-me a pedra bruta, uma dessas pedrinhas de beira de praia, de mato, que se encontra por todo lugar, que diria da sua beleza muito maior do que a reluzente joia. E por que? A resposta não estará na palavra, mas no olhar e no avistar o jeito de ser de cada uma mulher. Nunca vi um espírito bom, verdadeiro, humilde e cristão que viva adornado para os olhos dos outros. Por isso mesmo não tenho dúvida que a verdadeira mulher será avistada nos casebres, em meio à pobreza, junto à classes menos favorecidas socialmente. E ao olhá-la encontrará por cima do seu corpo não uma túnica dourada, mas uma roupa simples, um chinelo de dedo, uma pele de pouco brilho, mas um inigualável encanto. E creia da imensa catedral no coração, no suntuoso espírito, da glorificação em pessoa. E então poderá, na humildade e no jeito simples de ser, dizer, enfim, que encontrei uma verdadeira mulher”.
Logicamente que Crisosta jamais tinha ouvido tais palavras do sábio. Não era como os outros queriam, não fazia nada para os outros. A quem devia atender não existia mais a seu lado. Simplesmente havia nascido assim com aquele simples e humilde de ser e dessa forma continuaria. Disso tinha a máxima certeza.
 Ademais, nunca foi mulher de conservar dentro de si um espírito impuro, pecaminoso, eivado dos vícios humanos. Até se poderia afirmar que sua característica maior era a inocência, e com isto a honradez, a moral, o distanciamento do pecado. Nem em pensamento a mocinha pecava, e disso ninguém haveria de duvidar.
Logicamente já havia mentalizado situações de encontro com um belo e encantado príncipe, de segurar mão na mão e dizer que estava apaixonada, pedir um beijo, dar um abraço. E já tinha pensado muito mais que isso: ser mulher e se entregar aos braços do homem amado.
Ora, mas não havia nenhum pecado nisso. Até se houvesse tirado a roupa em pensamento não haveria de ser pecado. É próprio do ser humano imaginar situações, criar expectativas, vivenciar mentalmente coisas e fatos que bem poderiam acontecer na normalidade do percurso da vida. E não haveria nenhum pecado nisto.
Na verdade, Crisosta era exatamente o tipo de mulher muito difícil de ser encontrada, ainda que nos rincões mais distantes e nas famílias mais conservadoras. E esse seu jeito diferente de ser é que lhe trazia tanto sofrimento. Uma dor agora extirpada do espírito.
Continua... 


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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