SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 22 de junho de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (58)


                                          Rangel Alves da Costa*


Talvez por conta da aparição daquela estranha formação debaixo do carro de boi, Crisosta começou a sair um pouco mais do cotidiano em sua cadeira de balanço. De vez em quando saía de casa, botava os pés do lado de fora, tentando colocar a cabeça dentro da normalidade e pensando como aquilo poderia ter acontecido.
Fosse verdade ou não que a terra por cima da cova do menino havia sido trazida e colocada naquele local, fato é que o cachorro agora não saía de lá, numa eterna vigilância ao montinho verdejante e florido. E se o animal fazia o mesmo dentro da mata, então só haveria de se confirmar aquele milagre.
Por vezes ela chegava bem ao lado com um banquinho e sentava por horas a fio, serenasse ou fizesse sol de escaldar a moleira. Sozinha naquele fim de mundo, não tendo ninguém que escutasse e dissesse que estava doida, conversava com o montinho de areia como se o menino estivesse ali debaixo ouvindo tudo.
Certamente que não estaria ali. Não o menino, quando muito os seus restos mortais, acaso alguma misteriosa força realmente tivesse feito aquela transferência de sepultura. Mas ele estava ali, indubitavelmente ele estava ali. Era um espírito bom com olhos para o mundo, enxergando aquilo que queria ver.
Por isso mesmo que ouvia as divagações, muitas vezes desnorteadas, da amiga.
“Jardim bonito esse seu, meu amiguinho. Mas você está parecendo muito egoísta em querer uma lindeza dessa só pra você. Só que tem flores é você, só quem tem flor do campo é você. Agora veja se ao redor ou dentro de minha casa tem qualquer jardim. Não tem nada, nem dentro nem fora. Vou comprar umas flores de plástico de todas as coras, bem bonitas, bem grandonas, e botar tudo num jarro ali na janela que é pra você ficar com inveja”.
“O paraíso deve ser bom, não é? Deve ser bonito, com um imenso jardim, um rio com água bem mansinha correndo e uma rede na sombra pra gente deitar. Um dia eu queria até aí. Mas eu queria ir e ficar, e só assim eu saía desse lugar. Mas sei que nunca vou até aí não, ninguém vai abrir a porta ou me deixareu entrar não. Eu não sei rezar como devia rezar, e por isso as portas se fecham. Eu também não tenho nome de santa nem de anjo. O pior é que tenho muito pecado, principalmente quando digo que não gosto de nada na vida, tenho raiva de tudo, quero sumir. Quando eu aprender a rezar como minha mãe sabia, vou pedir a Deus pra mim perdoar. Mas ele tá ocupando com muitas outras coisas, outras pessoas, e eu sou um nadinha pra que ele me veja. Acho que já tô pecando de novo. É verdade, eu queria muito um dia chegar até aí. Vai ser difícil, meu amigo, vai ser impossível. Como não saio daqui pra lugar nenhum, quando eu morrer vou continuar aqui mesmo...”.
“Se você quiser aparecer um dia diante de mim, e como gente viva, pode aparecer que não tenho medo não. Saiba que pra mim você não morreu, não aconteceu nada daquilo, que continua vivinho da silva. Só peço que não venha de noite. De noite não porque senão vou pensar que você morreu. E você não morreu...”.
“Antes que eu esqueça, guardei a sua baleadeira. Guardei como lembrança e vou deixar lá no meu quarto bem guardadinha, bem no lugar onde eu guardava minha pedrinha da sorte. Você nunca viu, mas era uma pedrinha linda, pequenininha que achei no riachinho. Ela já tava abençoada quando dei ao meu irmão. Ele botou no bolso e viajou com ela. Fiz isso pra dar sorte a ele. Mas um dia sonhei que a pedrinha nem foi com ele, que ficou por aqui mesmo num lugar que eu nunca encontrei. Se algum dia encontrar vou ser a pessoa mais feliz do mundo. Também se meu irmão voltasse...”.
E depois de conversar sozinha, mas como se estivesse falando com o amiguinho, recobria o semblante de um nada parecer e fazia o caminho de volta. E assim ia passando os dias, se contentando no diálogo transcendental e fechando-se em seguida para a realidade.
E adormecida na cadeira no fim de tarde, sonhou, quase com uma voz levemente soprando ao seu lado, que o pequeno jardim florido estava ali debaixo do carro para ela reencontrar o contentamento e a felicidade na vida, e não para ficar cada vez mais entristecida.
E disse ainda que flores do campo surgiriam debaixo de sua janela, mas que deveriam ser cultivadas e regadas apenas com a alegria, o sorriso, a feição de esperança. Do contrário tudo ressecaria e morreria de tristeza. Que ela escolhesse o que gostaria de ter adiante do olhar.
Continua...


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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