SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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segunda-feira, 18 de junho de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (54)


                                                  Rangel Alves da Costa*


Uma nova mulher, porém difícil de se transformar tão rapidamente. Principalmente depois que a chuva parou de cair e o primeiro raio de sol desceu e se espalhou pela região.
A mataria já estava com outra cor, renascendo rapidamente; os grilos cantavam por todos os lugares, num anúncio seguro que os ocos dos paus continuavam molhados. Mas por outro lado, por cima da terra era tudo devastação.
Caminhou ao redor de sua casa e um pouco mais adiante, e o que viu foi de pura estupefação. O que antes era estrada agora estava totalmente esburacado, sulcado pelas éguas vorazes; onde existia vereda quase não se avistava mais nada, pois tudo tomado por árvores caídas, troncos e pedaços de paus.
A cerca do roçado deixado pelo seu pai estava quase toda no chão; os tanques ainda sangravam; vacas magras certamente seriam encontradas mortas pelos pastos e quintais. Tudo lavado pela enxurrada, mas também tudo muito feio e muito sujo. Os pés pisavam em lama; ossadas de bichos se espalhavam de palmo a palmo.
Imediatamente pensou numa coisa e quase cai em prantos. Quanta dor, quanto sofrimento, quanta tristeza seria avistar agora, encontrar agora aquelas famílias desabrigadas, pessoas doentes e ao relento, debaixo dos paus, entregues à sorte do mundo, sem ter o que fazer. Muitas talvez tivessem perdido tudo do quase nada que já possuíam.
Criancinhas chorando, velhos de olhos perdidos sem acreditar naquela situação, pais aflitos procurando qualquer solução. Eis que a chuva tão esperada, tão implorada em promessas, preces e orações, havia chegado para abrir uma outra ferida na vida.
Até quando, meu Deus, até quando aquele povo seria a balança do mundo, de um lado pendendo o sofrimento pela seca inclemente e do outro se derreando com o mesmo sofrimento, agora porque choveu demais? Quando, meu Deus, esse povo vai ter uma dia de paz verdadeira, de legítima felicidade, de certeza que comandam suas vidas?
Tudo isso pensava Crisosta, indagando, se martirizando, sofrendo. Quis seguir mais adiante, visitar famílias ao redor, prestar-lhes algum conforto, mas sabia que naquele momento todos estavam com outras necessidades, principalmente materiais, principalmente de meios para reconstruir suas vidas.
E quanto a isso ela não podia fazer nada. E ainda por cima tinha de cuidar de tanta bagaceira que se espalhava acumulava perto de casa. Ademais, ainda nem tinha vistoriado a casa inteira para saber o que havia sido destruído e o que estava prestes a desabar, precisando de reparos. Também por isso acabou não indo.
Mas essa decisão de não ir visitar os vizinhos, ver como estavam depois daquela verdadeira tragédia, lha causaria arrependimentos pelo resto da vida. E mais ainda quando um dia ficou sabendo das mortes, do muito destruído ao redor. Menino que ficou sem pai, pai que ficou sem esposa, casais que perderam tudo, até filhos. E ainda choraria muito por causa disso.
Após a tempestade e suas terríveis consequências se passaram dois meses. A terra enfim já estava firme; o verde tomava conta de tudo; a vida parecia ter voltado ao normal. Contudo, para a mocinha não havia nada pior do que essa normalidade da vida. Os dias simplesmente passavam e nada acontecia, tudo era a mesma coisa, e o mesmo acontecendo entre um amanhecer e um anoitecer. Não havia nada mais cruel que essa realidade.
Lembrou de sua promessa em se transformar, porém pensava em como fazer isso e não encontrava solução alguma, esperança de nada. Já nem se preocupava com quantos anos tinha, como andava o seu corpo, se estava magra ou engordando, se havia aparecido alguma ruga na sua face.
A única coisa que poderia fazer para mudar esse quadro melancólico, essa vida de tristeza, era saindo dali, arrumando a mala e pegando a estrada. Já não pensava em sair sem destino, simplesmente percorrendo uma estrada até onde seus pés alcançassem. Agora não. Agora precisava sair com passo certo, saber onde queria chegar. Mas pra onde?
E também não queria vender aquela herança de seus pais, não queria abandonar tudo assim de uma hora pra outra. E se mais adiante não desse certo, voltaria para onde, qual refúgio teria? E se de uma hora pra outra seu irmão apontasse na estrada de mala na mão? Meu Deus, meu Deus, quanta dúvida e quanta aflição!
Dizia-se intimamente a mocinha. Se quisesse falar também não tinha voz. Apenas chorava. E chorava muito.
Continua...   


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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