SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 16 de junho de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (52)

                                       
                                                  Rangel Alves da Costa*


A não ser por outro motivo, ao menos pela enfermidade acometida Crisosta estava livre do perigo de morte. Ora, bastava estar exposta à vida para estar próxima à morte. Eis um consenso incontestável.
Tentou adormecer mais um pouco, dormir um sono pesado, livre de pesadelos e de viagens enlouquecidas, mas nada de conseguir. Sentia o corpo ainda queimando, todo dolorido. Também um frio terrível. Conseguiu pensar no chá e concluiu que não havia surtido efeito.
Mas ainda surtiria o efeito desejado. Com o passar do tempo tudo surtiria o efeito de cura desejado, pois numa junção de forças que ela jamais compreenderia. Abriu mais os olhos para tentar enxergar algum sinal de claridade lá fora, porém somente a escuridão ao redor.
Estava com uma sede terrível, estonteante, com a boca e os lábios ressecados. Estendia a mão ao redor para sentir se por ali havia alguma goteira. Ao menos ali perto da rede não havia uma sequer. Sentia-se fraca e indisposta demais, contudo tinha de beber uma caneca d’água, ansiava por isso.
Sede de febre é assim mesmo, chega com tudo ressecado por dentro, como se o vulcão da doença houvesse secado tudo por dentro. E não adiantava tentar dormir continuando sedenta, pois a água seria chamada no sonho ou no pesadelo. Ademais havia aquela chuva toda caindo para ativar ainda mais a sensação de necessidade de qualquer líquido.
Cinco minutos tentando levantar e mais dois até colocar os pés no chão. Mesmo segurando na rede, caiu ao dar o primeiro passo. Levantou de qualquer jeito e foi tateando, segurando em tudo que encontrava. Enxergou a moringa em cima da mesinha e deu até vontade de correr. Não tinhas força suficiente nas pernas para tanto esforço.
A caneca de alumínio estava bem ao lado mas não quis nem olhar pra ela. Segurou a moringa com as duas mãos e fez a boca de barro pender sobre sua boca, deixando a água se derramar feito gente sedenta do deserto quando encontra oásis.
Bebeu o que tinha vontade e se molhou toda. Náufraga chegando à ilha, sentiu-se muito mais aliviada, com mais disposição pelo corpo. Passou os olhos ao redor, olhou tudo de cima a baixo, estendeu o ouvido ao barulho lá fora e constatou que a chuvarada continuava sem jeito de parar tão cedo.
Meu Deus, quanta chuva. Pensou balançando a cabeça. Nesse gesto a afirmação do quanto tudo era contraditório por ali. Depois de anos e anos sem cair um só pingo d’água e agora essa interminável tempestade. Depois de tanto garrancho voando no vento, tanta poeira e tanto pó, pedra chorando e bicho do mato indo embora, e de repente aquele mundão descabido de água.
Que chovesse, mas nada medida da terra e do homem, na proporção da necessidade e do suportar. Que caísse chuva, mas apenas a chuva para matar a sede, encher tanques e barragens, molhar bem a terra, trazer de volta a esperança àquele povo tão sofrido.
Mas assim já era demais. Desse jeito a ajuda se transformaria em calamidade, coisa também ruim. E também porque acostumado com a estiagem, o povo dali não sabia o que fazer diante do exagero chuvarento. Pensava Crisosta enquanto caminhava lentamente em direção à porta da frente, em direção às suas frestas.
Antes de chegar até lá viu espantada quando ela se abriu de vez, repentinamente, e sem ter ventania mais forte que desse aquele empurrão. Assustou-se com a cortina molhada lá fora, o marrom tomando conta do negro, a visão da força da água. E de repente se viu como que empurrada, impelida a ir mais adiante. E seguindo como sem querer, já diante da porta aberta sentiu uma vontade descomunal de sair e tomar outro banho de chuva.
Se estivesse completamente em si não faria isso, nem pensaria tão cedo em água nova, afinal de conta estava doente precisamente por aquela besteira que havia feito se deixando espalhar debaixo da tempestade. Mas agora não era ela que se comandava, mas uma intercessão maior do anjo para que aquilo acontecesse.
E também estava escrito naquela ordem trazida pelo espírito do menino que a cura dela deveria ser alcançada também através da causa da doença. Então, se o banho havia adoecido, seria o banho que afastaria de vez todos os males do corpo, expulsaria de vez a enfermidade.
E rapidamente ela jogou pelo chão molhado toda a roupa que vestia e lindamente nua saiu para o meio do tempo, pra debaixo da chuvarada.
Continua...                                                                           




Poeta e cronista
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