SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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quarta-feira, 13 de junho de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (49)


                                               Rangel Alves da Costa*


Verdade é que a porta abriu repentinamente e alguém entrou. Mas não alguém no sentido de pessoa física, de ser humano, de gente que entrasse ali fugindo da tempestade lá fora.
Não alguém no sentido de ente humano com nome e sobrenome, um vizinho, um conhecido, um forasteiro, quem andava distante e chegou. Nem também algo caminhante, rastejante, de duas patas ou mais. Nada disso.
Mas alguém no sentido de ser, de presença, de estar ali sem ter passado pela chuva, de simplesmente aparecer como uma luz, uma névoa, uma imagem nebulosa surgida após a porta se abrir. Após a porta aberta, um ser surgindo e caminhando naquela direção.
Seria alma do outro mundo, um espírito enviado até ali, um anjo prudentemente enviado para olhar pela mocinha? Mas os anjos de guarda nunca desamparam seus acolhidos, nunca sai de perto dos seus, jamais se distancia para aparecer num repente, principalmente quando a pessoa que guarda está em grandes dificuldades, correndo risco de morte.
Os anjos de guarda estão sempre acima, nos lados, atrás e à frente da pessoa que zela. Presença invisível, silenciosa, age somente perante o norte do olhar da pessoa, diante do direcionamento para a melhor razão, na ponta dos pés para o melhor caminho, no coração para a melhor ação.
Não cabe ao anjo da guarda agir para que alguém siga ou não por uma direção, faça o bem ou mal, puxe ou não uma arma, diga sim ou não. Nada disso compete ao guardião, nada disso está no seu domínio de zelador. Como a própria designação indica, ele apenas guarda a pessoa, e o faz iluminando a mente, predispondo no espírito o melhor a fazer, intuindo dentro de cada um a boa ação.
De repente a pessoa diz que parece verdadeiro milagre não ter feito diferente ou seguido por outra direção. Sente dentro de si como uma voz dizendo que faça isso ou aquilo; muda num instante uma ação que já estava determinada a fazer. E se fizesse daria errado. Em todas essas situações há a presença do anjo da guarda.
Numa estrada, o anjo da guarda procura iluminar o olhar para o melhor lado; nesse lado, atiça a percepção para seguir por onde tenha menos pedras e espinhos; seguindo em frente, pois atendendo a lógica do caminhar, a todo instante que pretenda parar ou ir mais à frente, será orientado pelo seu anjo. E este silenciosamente dirá, por exemplo, que já não é hora de ir tão distante em meio ao perigo e ao desconhecido.
Contudo, o anjo guarda, guia, protege e acompanha apenas aqueles que querem ser guardados. Os tementes a Deus, os que procuram seguir seus ensinamentos, os que sempre encontram algum tempo para a prece, os que conhecem os limites do homem e a força da fé, os que reconhecem e aceitam a presença do seu anjo, estes sim, sempre estarão caminhando com asas recobrindo seus passos.
Mas o anjo da guarda de Crisosta não havia saído um só instante de perto dela. E durante toda a sua existência. Ainda no primeiro e choro e seu guardião já recobria com as asas da benção o seu corpo. E desde então acompanha os seus passos, brincou sua brincadeira, chorou o seu choro, alegrou-se com sua alegria, entristeceu com sua tristeza.
Mas ora, o anjo da guarda não pode evitar a dor, a tristeza, o choro, a lágrima, a derrota e o sofrimento? Se nem mesmo Deus, ser maior que dispõe sobre tudo, retira do homem o sal da vida, não seria um anjo que espanaria com a ponta da asa aquilo que a pessoa precisa também experimentar para crescer espiritualmente.
Por isso mesmo que ao guardião da mocinha enferma não foi concedido o imediato poder de cura, ou mesmo ter afastado qualquer sintoma na sua nascente. Se ela estava doente é porque não poderia ser diferente. A predestinação é divina, é ordem superior, e como tal cada um tem de experimentar, a seu tempo, as mais difíceis experiências.
E porque o anjo apenas atendia às ordens divinas é que permanecia ali aguardando uma voz. A voz é que dissesse vá, faça, aja, interceda. Enquanto permanecesse o silêncio nada poderia fazer, a não ser também sofrer. Os anjos também sofrem...
 Mas quando o guardião entristecido sentiu aquela chegada, aquele vulto surgindo do nada, então não teve mais dúvidas que seria resguardado para outros momentos, pois caberia àquele ser olhar pela mocinha.
Quem seria esse ser surgido assim de repente, vindo da chuva sem se molhar, surgindo do nada e sendo tudo naquele momento?
Continua...


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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