SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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terça-feira, 12 de junho de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (48)


                                     Rangel Alves da Costa*


Só mesmo depois de várias tentativas e muito esforço, Crisosta conseguiu subir na rede. Ela que estava acostumada a dormir assim e gostava muito mais de rede de que qualquer outro lugar de dormida, agora sofria até com um balançar mais lento.
Qualquer balancinho doía-lhe tudo, principalmente a cabeça. E se apertava ali dentro, se juntando como podia para espantar o frio que continuava incessante, ainda que queimando de febre. Quanto mais se comprimia, mais puxava os panos por cima do corpo, mais tremia de fazer o queixo bater.
Não se sabe se dormiu ou a sonolência da doença fechou-lhe forçadamente os olhos. Mas nem dormia profundamente nem estava acordada, apenas num estágio de dormência viajando entre turbilhões. Agitava-se toda porque sua mente buscava realidades incompreensíveis, contrastantes, num jogo de imagens mirabolantes.
Mas nada que fossem sonhos nem pesadelos, mas viagens e curvas, degraus e labirintos, peripécias e esvoaçamentos, corredeiras e ladeiras. Subia e descia; caía lá do alto e nunca alcançava o pouso. Era ventania e poeira, pó e negrume. De repente um clarão, luzes piscando, tudo apagado. Monstros, bichos, línguas de fogo, asas de pássaros salvando, passeio na nuvem, uma montanha chamando a subir.
E sua mãe gritava, sua mãe chamava, batia na sua bunda, beijava, acariciava, sumia e depois aparecia. Sua mãe ali, bem ao lado, passando pano na sua testa, trazendo um chá, enxugando as lágrimas dos olhos com a mão. Sua mãe tão bonita, tão jovem, tão velha e tão feia, tão viva e tão morta, sem saber se sorria ou chorava. Sua mãe ali, ninando a filha, balançando a rede, dando mingau na boca com o dedo.
Ouviu a voz do pai. Seu pai chegou trazendo caça na mão, espingarda no ombro e acompanhado de um cachorro de oito pernas e coberto de escamas. Seu pai apontou a arma e o cachorro foi embora raivoso, gritando na curva da estrada e dizendo que ia voltar. Um tiro e o cachorro morreu, seu pai sorriu e veio agradar sua menina. Um beijo no rosto, um beijo na testa, e depois tirou um presentinho do bolso para oferecer.
Uma violeta azul, que logo se transformou em crisântemo, flor dos mortos. Jogou rapidamente fora o mau agouro e puxou lá de cima um arco-íris de vinte cores. Ele soprou as outras cores e as que restaram formaram nuvens separadas por cima de sua cabeça. Mas depois seu pai gritou chamando sua mãe e disse que não adiantava, por mais que quisesse o melhor pra menina nada adiantava, pois a ventania já batia na porta querendo entrar.
Correram para colocar proteção, pregar tábuas na porta, mas não teve jeito. A ventania derrubou tudo e entrou com a maior pressa do mundo. Balançou tanto a rede da menina que ela caiu em cima de uma nuvem. Protegendo a menina, quanto mais a nuvem corria mais a ventania corria atrás, soprando bem forte para desfazer tudo e ela cair. Até que a nuvem cansou e jogou-a lá de cima, lá de pertinho do céu.
A menina foi caindo lentamente até ser amparada pelos braços de sua irmã. Oh, minha menininha, por onde andava que estava aqui lhe esperando. Disse a irmã enquanto a colocava novamente na rede. Depois ergueu a mão para o alto e fez cair uns grãozinhos brilhosos, uma areia bem fininha que foi se espalhando por cima do seu rosto. Dava um friozinho tão bom, tão leve e suave, que ela adormeceu e sonhou que estava doente. Muito doente e queimando de febre.
Viajando nessas fantasias mentais, fruto da doença que lhe afligia, Crisosta distanciava-se da realidade como a alegria na guerra. Contorcia-se toda, tinha espasmos, murmurava palavras incompreensíveis, delirava, dizia que ia morrer, ia morrer, que estava morrendo. Apenas o subconsciente expressando, a boca falando, dizendo enfermas alucinações, mas sem que ela soubesse mais nem quem era.
O corpo já não suportava a enfermidade, o organismo entraria em colapso a qualquer instante, suas funções vitais iam lentamente se esvaindo. Até que a porta, que estava fechada, se abriu repentinamente. E alguém entrou.
Continua... 




Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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