SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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segunda-feira, 11 de junho de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (47)


                                           Rangel Alves da Costa*


Crisosta enfim sentiu que apresentava sintomas de alguma doença. Os olhos ardiam, o corpo queimava, mas ainda assim o frio continuava cada vez mais intenso. Juntava cobertores rentes ao corpo, procurava se proteger de todo jeito, porém começava a tremer.
Fechou a porta. Não havia outro jeito. Não havia canto da casa que lhe fosse mais quentinho e aconchegante. Não queria deitar no quarto dos pais nem no próprio quarto. Achava tudo escuro demais, sufocante. Decidiu então que deitaria na rede mesmo, ali na sala, bem pertinho do barulho acalentador da chuva.
Antes de tentar repousar para ver se alguma melhora aparecia, resolveu preparar um chá com plantas medicinais ali do quintal. Sua mãe sempre guardava folhas secas no armário. Contudo ela mesma dizia que na infusão não fazia o mesmo efeito que a folha arrancada do pé, novinha, cheia de milagres na seiva.
Conhecia algumas ervas cultivadas carinhosamente por sua mãe. Com o seu falecimento, tomou para si a responsabilidade no cuidado e asseio. Sempre se lembrava de barrufar um tiquinho de água por ali, não deixava ervas daninhas se misturar nem que bicho do mato viesse arrancar a preciosidade.
Por isso mesmo sabia da existência do alecrim, do boldo, da carqueja, da hortelã, do mastruz, da malva, do manjericão, dentre outras. Assim, num gesto desesperado afastou os panos de cima do corpo, colocou um pedaço de plástico na cabeça e saiu pro quintal, em direção ao lugar de cultivo.
Foi até lá sem pensar nas plantas que colheria e para qual sintoma específico, vez que ainda não se sentia completamente febril, gripada ou com dor de cabeça. A febre já sentia um pouquinho, a dor de cabeça também, e tais sintomas logo recairiam numa forte gripe ou outra doença da mudança do tempo.
Sem pensar muito debaixo da chuva, acabou colhendo vários tipos de folhas. Disse a si mesma que se não fizesse bem que mal algum causaria. Pensou errado, mas não estava mesmo com cabeça para pensar em outras consequências. Ervas existem que não combinam nem fazem efeito se misturadas com outras. Sua mãe sabia, ela não.
Em seguida colocou água pra esquentar, despejou algumas folhas numa chaleira e esperou a água chegar ao ponto de fervura. Sua mãe ensinava que não se deve ferver a água junto com as folhas sob pena de perderem seus poderes curativos. O correto mesmo era esquentar a água e depois derramar sobre as folhas, deixando em infusão por uns quinze minutos.
E assim fez. Deixou o chá encorpando, ganhando cor, recebendo as essências medicinais das folhas e foi novamente se enrolar dos pés à cabeça. Bastou ter ido um instantinho lá fora debaixo da chuva e agora já não duvidava da febre lhe tomando inteira. O frio intenso não impedia que sua pele tivesse como brasa de fogo, uma dorzinha vagueava assustadoramente na sua cabeça.
O relógio da mente enfraquecida avisou sobre os quinze minutos passados. Deitou o bico da chaleira na xícara e viu o caldo marrom, de cheiro intensamente forte, se derramando. Ainda estava quente demais para ser bebido naquele instante. Trouxe o chá pra perto da cadeira onde estava até deitar e esperou mais uns cinco minutos.
Bebeu aos poucos, como ensinavam as velhas lições. A primeira sorvida causou repugnância, enjoo pelo sabor forte e encorpado demais. Na mistura de plantas, cada uma estava ali com toda sua potencialidade. Se surtisse efeito, se aquela mistura não fosse prejudicial, certamente que logo sentiria algum efeito, alguma melhora.
Mas todo mundo sabe que chá leva tempo para atingir o sintoma e debelar a doença, quando consegue. Contudo, diferentemente de outros remédios, ao ser ingerido parece que faz o sintoma aumentar, a doença ficar mais vivaz, mais constante. Mas tal sensação não é proveniente da doença, e sim da força do chá, que ao encontro do organismo logo se entranha dando uma impressão ruim.
Eis a força do chá, se espalhando por dentro e procurando logo onde atacar. E como isso não é fácil diante da doença já instalada, então a paciente começa a sentir que vai piorar, que quer vomitar, que vai morrer. Tal era a sensação de Crisosta após ingerir todo o líquido.
Num minuto e já começou a suor muito, um suor frio que se derramava pela pele. A cabeça doía profundamente, os olhos quase não abriam. Procurou forças para levantar e não conseguiu.
Continua... 


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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