SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 8 de junho de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (44)

                                        
                                       Rangel Alves da Costa*


A menina moça, a moça menina, a mocinha, brincou debaixo de chuva até se fartar. Tinha vontade de correr pelas estradas, de entrar no mato, de abraçar a natureza e dizer que o seu alimento estava mais que generoso.
Mas tudo estava escuro demais, coisa de tempo tão carregado que parecia chuva pra mais de três dias seguidos. A cortina molhada impedia que pouco avistasse adiante, o chão já estava tomado por pequenas correntezas arrastando os ossos da estiagem. Galhos, folhas, ossadas de animais mortos, tudo escorria por ali em direção aos riachos, aos tanques, às ribanceiras.
Chuva assim traz alegria porque enche tudo. Mas de outra banda descontenta o homem do campo. Nem sempre tem certeza que sua casinha vai aguentar o peso da ventania e do temporal, não sabe quantos cacarecos perderá nas enxurradas, nunca sabe as consequências desastrosas de água valente rodando sua morada.
E não apenas isso, pois sabe que chuva demais vai fazendo com que as águas vão domando a terra e levando tudo que encontra por cima. E nas correntezas vão as terras boas, os nutrientes, as plantações acaso existentes. Com os animais é ainda pior. Gado magro não suporta muita água por cima, dá fraqueza, dobra tudo, e cai. E se uma vaquinha cai por cima de lamaçal é a coisa mais difícil do mundo de levantar.
Coisa contraditória. O homem implora para chover e seu rebanho não morrer de fome e de sede, mas se chove demais tudo desanda. Aí vem mais reza, e dessa vez pra o gadinho não fraquejar e cair. Muita vaca magra já morreu por não poder levantar da lama, por não ter forças para se erguer e fugir para campo seguro. E depois de tanto sofrimento com a estiagem, começa a berrar atolada na lama até morrer.
Chuva mesmo boa para o homem do campo é aquela que cai forte, enche tudo, e depois começa apenas a chuvarar, a chuviscar com frequência para manter a terra molhada. Se o tempo permanece assim logo dará pra plantar, semear sobre a terra os grãos guardados há tanto tempo. Mas sempre torcendo que não caia pé-d’água, que de repente as torneiras lá de cima não se abram de vez, sob pena de tudo que foi semeado ser completamente destruído e levado nas forças corredeiras.
Nesse meio, de tantas vindas e desavindas, é que Crisosta foi criada. Seu pai era um exímio nisso tudo, com uma sabedoria matuta invejável. Colhendo também do conhecimento de sua mãe, foi crescendo sabendo de muita coisa que gente da cidade grande nem imaginava.
Coisa que tinha orgulho de saber é que boca de moringa vazia dormindo na janela engolia toda noite uma lua. Quando era criança não havia manhã que não colocasse água na moringa para beber sua lua. Um dia, sem saber da sede da filha, a mãe brincou e disse que ela já estava com a cara redonda, parecendo enluarada. Então ela nunca mais quis saber de colocar a moringa ali.
Por enquanto estava apenas se fartando, tirando o maior proveito possível do aguaceiro, mas depois certamente olharia com mais calma para o tempo fechado e começaria a pensar nos perigos que os seus vizinhos logo estariam passando. Se já não estivessem jogados no meio do tempo.
Sua casa não, pois reformada não havia muito tempo. Reformada não, mas apenas tendo o barro reforçado. Ainda assim muito mais forte que outras que se espalhavam ao redor, muitas delas de portas de papelão e telhado de palha seca. Deus quisesse que nenhuma delas caísse sobre a família, que as paredes não desabassem deixando todos ao relento.
Não sabia se a noite já havia mesmo chegado ou se o negrume era apenas da tempestade. Não tinha relógio, não precisava, por isso mesmo tanto fazia. Não havia o sol lá em cima para saber do tempo, não havia lua surgindo para saber da visita da noite. Tudo raio, relâmpago, trovão, sons ensurdecedores cortando o ar.
Voltou pra casa e deixou a porta aberta. Não fecharia enquanto estivesse chovendo. Gostava de ver o mundo lá fora daquele jeito e até armaria a rede ali na sala para dormir abraçada ao pingo d’água. Mas totalmente molhada, encharcada de cima a baixo, sentiu frio. Um friozinho bom que talvez um cafezinho passasse. Colocaria a chaleira no fogo depois de trocar a roupa.
Continua...


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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