SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 6 de junho de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (42)


                                    Rangel Alves da Costa*


Crisosta sentiu aquela mão lhe segurando com firmeza, fazendo força para erguê-la, e conseguiu. Num instante e ela já estava em pé, passando os dedos pelo rosto, limpando os olhos para saber quem havia chegado em seu socorro.
Contudo, olhou para os lados, tentou enxergar mais distante e não encontrou ninguém por perto. Espantada, nervosa demais com aquela situação, correu de lado a outro gritando, chamando pela pessoa, implorando que aparecesse.
A pessoa estava ali ao lado, continuava ao lado dela, mas não se mostrou perante os seus olhos. Ainda não lhe havia sido permitido mostrar-se fisicamente, ou através de estrutura corpórea que se fizesse reconhecido. Apenas na presença espiritual, trazendo consigo o dom da intercessão em momentos estritamente necessários.
Mas não estava sozinho não. Quem estivesse ali ao lado da mocinha chegou guiado por uma luz, uma forma de energia tão poderosa que só perdia em força para sua fonte geradora superior. Essa luz, ao abrir as asas, fez com que o visitante descesse ali ao lado daquela mocinha em grandes dificuldades.
Quem seria esse visitante, quem seria essa luz poderosa, qual seria a fonte geradora de tudo? Crisosta nem imaginava o que estava ao seu redor e somente com o tempo iria decifrando esse mistério, essa mão providencial que sempre chega naqueles que acreditam e possuem bom coração. É o reconhecimento superior sobre as boas ações nos grandes corações humanos.
Debaixo da chuva, gritava feita louca, tentando lançar o olhar através da cortina de água e da escuridão, procurando avistar alguma coisa. Mas a providência estava ali, a mão que ergue os necessitados continuava ali. Não caberia ao visitante o dom da proteção, mas àquele das asas iluminadas sim. E por isso mesmo estaria sempre ao lado dela, ainda que em momentos onde tudo se mostrava como de abandono, sofrimento, tristeza e solidão.
Os sentimentos dolorosos nas pessoas são como partes essenciais no seu percurso de vida. O sal do entristecimento também se derrama pela doçura da face, pelos corretos caminhos do corpo. O vinho no véu do corpo recobre a placidez suave da lágrima enternecida. Ainda assim, ainda que os momentos sejam os mais difíceis, a luz invisível estará presente. E tudo porque sem essa luz a vida seria infinitamente pior, não teria proteção alguma.
Muitas pessoas não conhecem ou reconhecem tal fato. E mesmo que entendam os mistérios profundos da existência, em determinados momentos da vida se veem diante de problemas tão angustiantes, de verdadeiros abismos, que as fazem esquecer que aquilo só está sendo permitido acontecer por uma desígnio maior. Do contrário a luz constante afastaria tudo.
Não afasta tudo porque o ser humano nasceu com pés para caminhar no macio e também ser ferido por espinhos; tem a boca e a face para a alegria e também para a tristeza, acorda numa manhã e adormece à noite. A dor tão amiga do contentamento. Ora, a vida e os seus contrastes inexplicáveis.
Mas tudo compreensível na perspectiva de que o que se é não é aquilo que deve ser aos olhos de quem aponta porta e caminho. Tudo passa de forma inversa, contraditória, como se quisesse provar a força de cada um para superar as dificuldades. E é sempre no momento de busca de superação que o raio de luz é lançado e alcança o seu objetivo de salvação.
Após tanto gritar, de repente o medo tomou conta da mocinha. Temor por chamar tanto e não encontrar resposta, não sentir a presença, não sentir a materialização daquilo que lhe ajudou a levantar. Medo pela aparição desconhecida, pela presença estranha que não duvidava. Ora, não estava louca, tinha sentido alguém ajudando a levantar, tinha absoluta certeza de que uma pessoa havia estado ali.
Juntou todas as forças que ainda tinha e conseguiu alcançar a porta de casa. Nem precisou de chaves, pois ela estava apenas recostada. Entrou rapidamente e correu para o quarto, aos pés do oratório. Ajoelhou e orou agradecendo a Deus por haver conseguido chegar ali sã e salva, por aquelas mãos que vieram ajudá-la, mas também pediu para livrá-la de todo desconhecido que não fosse bom aos olhos do Senhor.
Já ia levantando quando ajoelhou novamente e perguntou: Meu Deus, por que não pude ver aquele que me ajudou? Quem será meu Deus, quem será?
E em seguida saiu para acender candeeiros. Mas antes teve que ir fechar a porta da frente que já estava aberta, deixando entrar açoites de vento misturado com chuva. E aquela torrente no seu rosto foi como um reacender na alma. E sentiu a força boa daquele momento chuvoso.
Continua...      


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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