SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 5 de junho de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (41)


                                        Rangel Alves da Costa*


Crisosta firmou o olhar no horizonte e continuou não acreditando no que via e ouvia. As nuvens negras avançavam como montanhas no ar, parecendo prenhes, completamente carregadas de água.
Enquanto o sol desaparecia de vez, elas caminhavam apressadas naquela direção. E pelo que pôde avistar, outras nuvens acompanhavam mais distantes e todas carregadas e gordas, prontas para se derramar. Os trovões já barulhavam mais próximo. Viu claramente um raio cortando o céu.
Num gesto incompreensível até por ela mesma, se jogou em cima da sepultura e ali ficou por cerca de dois minutos abraçada, agradecendo chorosa por aquele milagre. Só podia ser milagre, um milagre pela intercessão espiritual do seu amiguinho, repetia em voz alta. Mas voz sem eco algum diante dos trovões que aumentavam ainda mais.
Fez um último benzimento e saiu apressada, prometendo que não demoraria em voltar e colher a flor mais bela que houvesse. Entrou nas veredas já com pingos mais fortes molhando seu corpo. Pingo grosso de chuva, pingo d’água divino, pingo da esperança e da salvação, pingo da vida, pingo da alegria para o povo agrestino...
De repente e todo ao redor, por cima e por baixo, ficou num escurecimento fechado que só. Quando as tempestades se anunciam, começam a se formar, é assim, transformando toda a luz que houver num sombreamento de cheiro forte subindo da terra. Parece que a terra já sente os efeitos da chuva antes mesmo que os pingos fortes comecem a cair, vez que da terra vai subindo um bafo inconfundível ao homem do campo.
E Crisosta já sentia aquele cheiro bom, aquele vapor subir-lhe as narinas. Ainda estava longe de casa, no meio do mato, ouvindo os sons estremecedores da natureza, sentindo as plantas balançando, as folhagens secas caindo até com pingo d’água. Eram sons de vento forte e de bichos correndo para suas tocas, para se protegerem da chuvarada que já se revelava com bendita pujança.
Para sua surpresa quase pisa em cima de um cágado e não teve mais dúvidas de que as chuvas chegariam com toda força, com cara de tempestade, de trovoada, de molhação como há muito tempo não se via por ali. Se o cágado depois de muito tempo sair de sua toca é porque cairá trovoada boa. Assim um dia ouviu de seu pai.
Já estava completamente molhada quando alcançou a estrada que a levaria até a malhada de sua propriedade. Não demoraria muito para chegar, mas já se sustentava com dificuldades, vez que a ventania era forte demais, restos de galhagens avançavam sobre o seu corpo, o gotejamento dificultava sua visão na estrada já começando a enlamear.
Num instante de um relâmpago mais forte, avistou sua casa mais adiante e tentou correr para buscar proteção. Caiu como um tronco que se pende no mato. Completamente molhada, com o rosto tomado de lama, tentava levantar e não conseguia. Forçava as mãos na terra molhada, se erguia um pouco e depois escorregava, se esparramando novamente.
Ficou ali estendido por cerca de cinco minutos, tentando a toda força se levantar para sair logo debaixo daquela verdadeira tempestade. O tempo realmente estava com mais feição de tempestade do que trovoada. Talvez pelo longo período de estiagem, coisa pra anos, as forças da natureza se esconderam de tal forma que agora surgiam em forma de ventania, relâmpagos, trovões, raios e chuva forte, cortante.
Naquela região, os mais velhos diziam que a diferença entre a tempestade e a trovoada é que a primeira vem avassaladora, caindo um mundão de chuva de uma vez só, acompanhada de raios e trovões, enchendo tudo rapidamente, fazendo transbordar, derrubando casas e árvores, numa situação de grande perigo. Já a trovoada podia chegar também acompanhada de raios, trovões e relâmpagos, com chuvas intensas, bem fortes mesmo, mas muito mais compassadas e melhor distribuídas.
É a trovoada que o homem do campo tanto espera, sabendo que a chuvarada que cai se prolonga por dias sem o poder de destruição que possui a tempestade. Enche tudo, molha a terra, afofa, deixa o chão minando, deixa areia escorrendo. Por outro lado, não é difícil que faça riachos transbordar, barragens e tanques sangrar, levar na correnteza muita coisa que foi conseguida com muita luta.
E Crisosta estava caída, com dificuldades para levantar, debaixo de uma tempestade. Sabia que ninguém viria em sua ajuda, ninguém passaria por ali para prestar socorro. Coisa mais difícil do mundo era gente por ali mesmo em dias ensolarados. Naquele momento era até impensável, impossível.
Mas uma mão foi estendida em direção ao seu braço, puxando o corpo até levantar. Alguém surgiu para livrá-la daquela difícil situação.
Continua...
     

Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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