SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 4 de junho de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (40)


                          Rangel Alves da Costa*


Um pouco mais tarde Crisosta sem embrenhou pelo mato seguindo a trilha que ia dar nos arredores do lugar onde o seu amiguinho caçador havia sido enterrado. Sentindo o cheiro da mocinha, no seu faro de caçador, o cachorro despontou logo adiante.
Ao ver o cachorro não teve mais dúvidas que havia encontrado o caminho. Andou mais um pouco, agora seguindo atrás do farejador e logo reconheceu o local escolhido como última moradia do garotinho. À frente dos seus olhos a cova aberta no meio do mato.
Contudo, espantou-se com o que avistou por cima do pequeno monte de terra. Aquilo que deveria ser somente areia, terra seca amontoada e misturada a pedregulhos e a pequenas lascas de pau, estava tomado por plantas verdejantes que mais pareciam diminutos jardins por cima das sepulturas de chão nos cemitérios europeus.
A mocinha nem pensava nisso, pois nunca havia ouvido falar na Europa ou outro continente distante. Apenas olhou e se espantou, se perguntando como aquilo poderia ter acontecido, principalmente porque em meio ao esturricamento maior do mundo só havia aquele local de plantas e até gramas verdejantes.
Aproximou-se um pouco mais, ainda sem acreditar no que via, e estendeu a mão para colher uma pequenina flor violeta que havia surgido ali ao lado de outras flores do campo. Segurou a flor na mão, sentiu sua formação, levou-a ao nariz e sentiu cheiro de flor. Não havia mais dúvidas de que aquilo tudo era de verdade.
Realmente, de forma misteriosa plantas e flores haviam nascido por cima da cova do menino. E misteriosamente porque não havia como planta nascer, florescer e verdejar em meio a uma seca tão terrível que já começava a secar mandacaru e xiquexique, que são as únicas plantas que ainda suportam por muito tempo as estiagens mais duradouras.
Entretanto, o verde estava ali, bonito, sedoso, como se tivesse recebido água ainda naquela manhã. Crisosta havia confirmado, porém continuava vendo aquilo tudo como algo sem qualquer explicação. Pensou que talvez a terra úmida pudesse fazer florescer alguma coisa, mas por ali não havia terra úmida em lugar nenhum.
Chegou a pensar que estava enlouquecendo, que aquela visão já era um sinal de que não andava com o juízo na normalidade. E isso não era mesmo difícil de acontecer. Havia passado por tantos transtornos e sofrimentos que não sabia até quando poderia se achar normal.
Temia pela loucura chegando aos pouquinhos e se instalando silenciosamente na sua mente. Mas jamais saberia se estava desajuizada ou não, pois os loucos não sentem qualquer fronteira entre a realidade e o irreal, não distinguem o ato insano do ato pensado, e além disso pensam que são as pessoas mais normais do mundo.
Ainda refletindo sobre isso, percebeu que não estava ali para aceitar ou não os mistérios da realidade ou pensar se sua mente corria o risco de ser afetada ou não, mas apenas para visitar seu amiguinho, para fazer preces, para sentir a sua boa presença. E por isso mesmo afastou um pouco o mato verde por cima da cova e começou a passar a mão sobre a terra úmida, como se estivesse enxugando os seus olhos molhados de lágrimas.
Mas também pensou que se os olhos estivessem molhados de lágrimas, estas também poderiam ser de felicidade. E achou melhor pensar assim, vez que sabia do acolhimento divino àquele bom menino na sua passagem terrena. Em seguida, ajoelhada, cruzou as mãos em oração. E começou a orar com o fervor e a devoção maior do mundo.
De olhos fechados, de repente sentiu algo muito estranho. Continuando em oração, imaginou estar caindo uma chuva bem fininha, uns chuviscos leves, sobre sua cabeça e ombros. Esperou um pouquinho mais até abrir os olhos para se certificar da veracidade naquela sensação. E realmente viu uma chuvinha fina caindo bem no lugar onde estava a cova. E só caía ali, como se uma torneira lá em cima estivesse direcionada ao local.
Meu Deus, que coisa mais estranha. Será que é a força espiritual do menino que faz com que nasça um jardim sobre seu túmulo e ainda por cima chova sobre ele? Perguntou a si mesma, silenciosamente. E levantando, agora com palavras, disse que se o menino tinha tal força espiritual não era nada demais que espalhasse essa chuva um pouco mais, que intercedesse para a chuva cair de vez e acabar com o sofrimento daquele povo.
Mal acabou de dizer tais palavras e seus olhos se voltaram para o alto, avistando ao longe nuvens negras carregadas e vindo naquela direção. Trovões começaram a ser ouvidos bem distantes.
Continua...


Poeta e cronista
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