SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 9 de junho de 2012

COISA DE CACHAÇA (Crônica)


                                          Rangel Alves da Costa*


Saiu de casa dizendo à esposa que colocasse a comida na mesa que voltaria num instante.
Já depois da porta de casa, bateu com a mão na barriga e disse que já que ia almoçar comida pesada, então tinha de se preparar tomando uma pra não dar indigestão.
Seguiu até o bar e do balcão fez o gesto de pinga pro vendeirim. Já conhecendo as preferências do cliente, pegou o litro certo e despejou a dose.
Tomou logo metade e depois mordeu o umbu que levava no bolso. Arrepiou-se todo e virou a outra golada. Tiliscou novamente o umbu e passou a língua nos beiços.
Pagou e já ia embora quando catou o restante do fruto azedo para jogar fora. Contudo, olhou de relance e viu que o danado ainda servia como tiragosto pra outra dose.
Apontou pedindo outra relepada e foi logo atendido. Agora com mais vagar, tomava um tiquinho e quase beijava a fruta, sentindo apenas o azedume no sabor.
Já era outro homem, mais animado, conversador, ainda que não tivesse ninguém por ali pra puxar conversa. O jeito foi jogar um proseado em direção ao vendeirim que colocava mais casca de pau em litros de aguardente.
Perguntou se achava que demoraria cair chuva e o outro respondeu que tanto fazia. Achou estranha a resposta e perguntou por que tanta fazia se chovesse ou não. E sem virar o rosto, o outro apenas disse que tanto fazia porque tanto fazia e pronto.
O bebedor achou ainda mais estranha a segunda resposta. Já conhecendo o sujeito, virou o restante da dose e perguntou o que estava acontecendo com ele naquele dia para estar assim tão emburrado.
Então o vendeirim levantou a cabeça, chegou mais perto e disse que estava com um problema sério. E puxou um copo pra se servir de uma cachaça. Encheu sua medida e ofereceu ao cliente mais uma dose, agora por sua conta.
A oferta foi aceita até com sorriso na cara. Mas depois teve que se fechar diante da cara do outro, que realmente não tava muito boa. Após virar uma golada o entristecido se ajeitou pra falar. O bebedor talagou um tiquinho, beliscou o umbu, e ficou esperando o amigo dizer o que estava sentindo.
E ouviu do outro uma conversa de arrepiar. O homem disse que toda noite ia dormir bebinho da silva e ainda assim sonhava que sua mulher não estava dormindo do lado da cama, tinha saído e ido às escondidas pra outro lugar.
Experiente nesse assunto, o bebedor perguntou se ele acordava depois do sonho e olhava se a mulher continuava dormindo no mesmo lugar. Já estava desconfiado do que podia estar acontecendo, mas era melhor deixar que o outro chegasse à sua própria conclusão.
Então o desgostoso respondeu que só conseguia abrir os olhos quando o galo cantava. E sempre que acordava a mulher estava ali perfumada que nem uma danada, mas sempre evitando um chameguinho.
Pá, casca! Já sei o que é. Não pode ser outra coisa. A mulher tá chifrando o homem, tá botando ponta com outro e com este vai encontrar assim que o marido corneado chega bêbado e dorme feito um amalucado. Pensou o bebedor, mas não era doido de falar isso.
Para não chegar logo ao ponto, disse ao outro que achava melhor ele tentar acordar logo depois de sonhar o tal sonho e verificar no mesmo instante a presença de sua madame. E disse baixinho que talvez ele não estivesse sonhando.
Ao ouvir isso, o sonhador botou mais duas doses, a sua e a do conselheiro, e depois perguntou por que ele achava que talvez não estivesse sonhando. Dando voltas, o amigo respondeu que talvez sua digníssima realmente gostasse de sair um instantinho enquanto ele dormia.
O tempo passava, as doses já eram muitas, a embriaguez avançava e o homem puxando assunto sobre o sonho. Até que num determinado instante o conselheiro disse que tinha de ir embora senão corria o risco de sua esposa fazer o mesmo que a do amigo fazia.
Já de fogo, o vendeirim então perguntou o que ele sabia que sua mulher fazia. E o outro disse na bucha que nada, que ela não fazia nada, mas só com ele, ao que tudo parecia.
E o homem ficou sem entender nada mesmo. E ofereceu mais uma dose em louvor a honra de mulher tão séria e que não merecia que ele ficasse pensando besteira. E disse ainda, já pronunciando um tanto arrastando, que mulher igual aquela não encontraria mais nunca.
E o outro confirmou que sim. Enquanto o copo estivesse molhado confirmaria tudo, ainda que estivesse com pena do coitado cheio de pinga e chifre.


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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