SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 2 de junho de 2012

BABETE (Crônica)


                  Rangel Alves da Costa*


Depois daquela festa a Babete sumiu. Contudo, ouvi dizer que anda por aí brincando de ser mulher.
Que menina levada, menina bonita, de laço de fita, correndo na rua, brincando de roda, rodando faceira, estrela do dia, maior alegria. Menina sorriso, menina espanto, inventando estórias de castelos encantados, de fadas boazinhas e bruxas malvadas.
Babete tem uma manhã e um sol, tem um dia e um entardecer, tem uma noite e um céu estrelado; ela também tem família, parentes, um quarto, uma casa para viver, tem até um jardim e uma roseira. Ela tem tudo o quer na vida e só não terá muito mais se quiser atravessar a estrada sem olhar pra trás.
Mas Babete cruzou a estrada sem o devido cuidado. Seu nome não é esse não, mas se tornou na Babete que na manhã tenta esquecer as marcas da noite passada. E nessa noite, com faz depois de todo anoitecer, não é mais a aquela mocinha, aquela estudante, aquela que todos acreditam e ajudam ser, mas apenas a Babete daqueles que podem pagar.
Quando era pequenina sonhava que um dia seria princesa, namoraria um rapaz de olhos de mar e de corpo de horizonte, teria uma vida tão bonita que somente no paraíso tem igual. Exalaria o perfume da manhã, seria acompanhada por borboletas e colibris, de sua boca sairiam palavras tão doces e encantadoras que o mundo inteiro gostaria de ouvir.
A menina cresceu e deixou de sonhar. Agora bastava ser mulher para fazer o que quisesse da vida. E nada que parecesse com a vida de uma princesa. Quando muito frequentadora da beira do mar, da orla da praia, dos encontros suspeitos, das passarelas onde se comercializa a honra. Também festas grã-finas, como convidada para ser convidada.
Teria esquecido o tempo de ontem, quando ganhou vestido bonito, ganhou brincos e anéis, ganhou perfumes e a esperança de ganhar muito mais. Era tão linda e recatada, tão atraente que se esperaria um namorado ideal mais à frente, quando já estivesse com mais idade. Estava estudando ainda e sempre repetia aos pais que nunca havia perdido qualquer disciplina. E mentia sobre sonhos futuros, afirmando sonhar um dia ser profissional importante e competente.
Profissional já havia se tornado, competente também naquilo que acostumou a fazer. Para ser lucrativa e duradoura, a vida fácil, a prostituição, o comércio do corpo, também exige competência de quem se entrega à sua prática. Os dotes corporais próprios são acrescidos de sutilezas que torna cada uma experiente e requisitada nesse mundo de luxúria e devassidão.
Os parentes perguntavam como estava indo, quando prestaria vestibular, qual carreira pretendia seguir. E ela sempre respondia que nunca havia estado tão feliz como naquele momento, que já estava prestes a prestar vestibular para o que quisesse. Só que ainda estava em dúvida sobre a melhor profissão a abraçar.
Mas já não tinha dúvidas sobre o que fazia no mundo lá fora, sobre o que já estava sendo sem os familiares saber. De início, amedrontada e agindo muito mais por influência de conhecidas, dizia a si mesma que faria programa apenas para ter algum dinheiro extra, mas que logo se afastaria daquele comércio de corpo bem antes que alguém próximo desconfiasse.
Sua mãe perguntou por que não mudava seu horário de ir até o cursinho, vez que a noite estava cada vez mais perigosa para mocinhas na idade dela. A violência estava demais, os perigos rondavam por todo lugar, além do que nunca é bom mocinha solteira andar por aí sozinha e desprotegida. Que inocência da mãe sobre sua filha, que parte da noite era simplesmente Babete.
Saia dizendo que ia estudar e mudava o destino, atravessava a rua sem olhar pra trás, para o seu berço, para a história familiar. E da esquina em diante tomava outra direção, se tornava noutra mulher prestes a se entregar aos impulsos de qualquer um que a contratasse para as prestezas do sexo descompromissado, rápido, vulgar. Não procurava saber o nome de nenhum parceiro, não perguntava a idade nem a profissão, pois conhecia quem a procurava pelo relógio e o sapato. Era através dessas características que dava o seu preço.
Mas um dia um parente a encontrou num lugar onde costumava esperar executivos endinheirados. E gritou por Elisabete, seu nome verdadeiro. Não sei dizer se quem respondeu foi Elisabete ou Babete.




Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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