SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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quinta-feira, 10 de maio de 2012

SOBRE JUMENTOS E HOMENS (Crônica)


                                                      Rangel Alves da Costa*


Não é sem razão que determinados bichos são conhecidos por gostar de serem usados, abusados, chicoteados e até feridos pelos seus donos. Tem animal que fica quietinho esperando ser esporado.
E se alastram os exemplos, pois boi só fica mansinho quando apanha muito. Deveria ser o contrário, dando coice em cada um que quisesse mudar seu instinto animal. Já cachorro, ainda que mostre brabeza, coloca o rabinho entre as pernas se o seu dono fala raivoso ou gritando.
Com o jumento e o burro é pior ainda. Se há bicho que gosta de sofrer, se submeter, ser realmente escravizado, aí está o exemplo maior. Raça nascida pra carregar fardo, levar no lombo a preguiça do mundo, servir de transporte onde nenhum outro animal suportaria chegar. E tudo no passo de sempre, num contentamento eterno.
Se mordesse, desse coice, derrubasse todo aquele que golpeia o seu lombo, esporeia até sangrar as ancas, coloca venda nos olhos para seguir numa só direção, então talvez fosse mais respeitado. E animal respeitado requer melhor tratamento. Basta se impor com a fuga, com a mordida, o coice, a queda no malvado.
E com muita gente não é diferente. Enquanto alguns lutam com todas as forças para se verem respeitados, terem os seus direitos garantidos e suas dignidades preservadas, outros se contentam em se deixar submeter, subjugar, sofrer pela mão e botina de muitos outros que se acham donos do mundo.
Tem gente que até merece. Quanto mais apanha mais gosta, quanto mais é escravizado mais beija na mão do feitor, quanto mais é humilhado mais se deixa dominar. O couro cru corta as costas e pede mais, os grilhões enlaçam sua honra e se finge de contente, se despe de toda nobreza e caráter em troca de agradar quem não merece sequer um olhar.
Grande parte dos seres humanos deveria aprender a viver e a se comportar com simples coisas existentes na vida. A casa de barro só é de barro porque não tem jeito. É assim mas nunca se acostumou com essa situação. Se pudesse seria toda de tijolo e cimento, de pedra ou até de ouro.
Comer um pão pra matar a fome é uma coisa, comer pão seco tendo outro alimento é coisa muito diferente. Duvido que a barriga acostume com a mesmice se vive sonhando com novas cores, sabores e texturas. A namorada só ganhou uma bijuteria de presente de aniversário porque ele fez tudo o que pôde e não conseguiu arranjar uma pequenina joia. Seu desejo era alegrar o coração dela de uma forma diferente, mais brilhante e apaixonante.
Mas ora, ninguém anda de pés descalço no asfalto quente só porque dizem que andar com chinelo na mão passa uma ideia de liberdade, de aversão ao normal e corriqueiro, de se sentir mais próximo do homem em seu estado natural.
Ninguém quer a chuva quando espera o sol; ninguém bebe vinagre se deseja vinho; ninguém quer o vermelho se lhe falta o azul; ninguém quer a lágrima quando quer sorrir. Ninguém espera ter o que simplesmente vem, principalmente quando não aceita tudo que vier.
Ora, mas por que falo tanto em outras opções, em desejos diferentes, em ter as coisas de um modo diferente do que geralmente se tem? Simplesmente para dizer que a cada um é dado o direito de querer o melhor, de escolher o melhor, de lutar pelo melhor. Do contrário seria atirar no próprio pé, jogar pedra na janela da própria casa, pegar uma navalha para ferir a pele, fazer tudo para adoecer porque logo buscará a cura.
Idiotia tem seu preço, subserviência também. Aquele que inocentemente se ajoelha para ser castigado não merece levantar; aquele que transfere um erro do outro para si próprio não merece ser perdoado; aquele que finge não sofrer para continuar apanhando merece ser calado de toda sorte. E aquele que se reconhecendo inocente se deixa penalizar é porque não merece ter liberdade alguma.
A bem dizer, tem gente que se animaliza, se torna objeto de uso. Mas animal que se preza detestaria ser gente assim.


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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