SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 3 de maio de 2012

SOBRE GRÃOS E MONTANHAS (Crônica)

                              
                                                        Rangel Alves da Costa*


Coisas existem em mim que não podem ser mudadas, transformadas com o tempo ou porque acompanhando o dito progresso da sociedade.
Coisas existem que estão arraigadas, enraizadas de tal modo no espírito que jamais se dobrarão às permissividades dos novos tempos. Ainda que desfaçam a ordem das coisas continuarei pensando e agindo assim.
Talvez seja uma questão de honra, de moral, de ética, de respeito próprio, de um bom e útil conservadorismo que não se rende aos modismos. Toda futilidade sempre será fragilidade diante de minha força, do meu querer, das minhas opções pessoais.
A ventania entrará pela janela sem desfazer o solidamente construído; a tempestade assustará mais o tempo do que ao meu preparo para o seu enfrentamento; a enxurrada leva somente o que inutilmente se espalha pelos canteiros. Meu jardim é sólido em flor e espinho.
Tua palavra maldosa nasce de uma boca muda, sem ouvinte, sem eco; a falsidade que semeia é prato que almoça e janta na própria mesa, jamais onde se estende o meu recanto de madeira de lei; e sobre as fragilidades das mentiras direi do envergonhamento que se enraíza por dentro de quem as cultiva.
Que lua imensa a minha que alcanço em todo lugar, que sol radiante que sempre brilha onde estou, que gestos de boas vindas, de afeição e acolhimento aonde passo ou chego; que doce olhar na minha direção, a mão estendida, a consideração; um gole de café, um copo de água, um dedo de prosa e uma amizade profunda. E que eu saiba a tua sombra foge do teu encontro.
Esqueço o livro aberto sem me preocupar com nada. O que li não espantará a avidez dos que procuram o bom conhecimento. Também não temo em deixar minhas cartas, bilhetes, lembranças e fotografias em cima de qualquer banco de praça. Pode abrir, olhar e ler o quanto sublime são as doces palavras, os gestos de amor e amizade.
Queria ser mais reservado, ter um mundo mais fechado, um caminho menos encruzilhadas em todas as direções, um olhar que não estivesse muito além do que posso ver. Queria me esconder de vez em quando, de vez em quando ser só eu, e também ser só você. Não consigo ser o reduzido mínimo nem o pouco quase nada se os meus braços estendidos abraçam o mundo.
Queria tanto te ensinar como se vive imensamente sem depender do outro para desejar o pior e assim alimentar a fome contínua da alma desprezível e desprezada. Juro que queria te ensinar como olhar o sol sem reclamar, olhar a lua sem criticar, caminhar sem reclamar das distâncias, viver sem achar que a existência é um fardo. Conheço alguém que nem sai mais da cama para caminhar e olhar o sol que sonha ainda em encontrar a lua.
Já que faz tanto isso, olhe mais ainda e mais cuidadosamente na direção da minha morada e aprenda algumas lições. É de tronco, é de taipa, é de barro, é de folha, é de madeira, é de papelão. Mas também é de ouro, é de diamante, é de ferro, é de rubi, é de esmeralda. Qual a importância da grandeza ou da estrutura de uma casa se da porta adiante não morar a felicidade, e se os pés que saem de dentro dela não seguem pelo mundo a espalhar tanta felicidade?
Oh, bem disse o livro da sabedoria: Vaidade das vaidades, tudo é vaidade. Um dia passa e outro vem e nada muda debaixo do sol. E jamais mudará mesmo se o contentamento se contenta em viver da colheita das ervas daninhas que semeou em meio aos lírios dos campos. Os lírios brotam, florescem, dançam ao sabor do vento, festejam a vida. E ainda assim acha que vai macular a terra com as ervas daninhas.
Que bom que soubesse que da humildade se enche e se povoa o mais nobre espírito. Tenho ao meu lado apenas um pequeno riacho que passa pela minha aldeia. Mas é o mais belo rio apenas porque é o riacho que passa pela minha aldeia. Como no poema de Fernando Pessoa, também sei amar a grandiosidade daquilo que - ainda que pequenino - tenho ou posso ter.
Não é difícil não. Abra a porta do coração, caminhai para a vida, olhai os lírios dos campos. E sinta que no vento que passa vai um pequeno grão. Adiante formará uma montanha, num acúmulo de todo bem ou todo mal que pretenda depositar ali.


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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