SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 22 de maio de 2012

O GATO BRANCO (Crônica)


                                                          Rangel Alves da Costa*


Citei gato branco, mas vou falar mesmo é sobre gato preto. Não disse logo a cor do felino porque sei que muito leitor imediatamente desprezaria o meu texto. E haja esconjuramento!
E não por outra coisa senão pelo medo e temor que o bichano causa, principalmente se de repente surge para atravessar o caminho de quem vai passar. E haja benzimento e rogação aos santos!
Baseando-se na crendice e na superstição popular, chegam a acreditar que o gato preto traz consigo mau agouro, dá azar, é um atraso de vida, atravessado sortilégio. E se o bichano for avistado cruzando uma estrada é bom nem seguir adiante.
Tudo começou há muito tempo atrás, em períodos de obscuridade em que o hábito noturno do felino serviu como desculpa para associá-lo aos seres da noite, aos maus espíritos e às bruxarias.
Mas prefiro um gato preto na noite mais escura, cruzando num repente minha estrada, do que um branco, que se diz ser humano, estando escondido pelas esquinas ou becos e pronto para o ataque.
Prefiro um gato preto, do mais negro retinto, e vindo da direção de uma escada que passou por baixo, a sentir que adiante vem vindo aquele que tudo fará para tirar os meus bens, ameaçar minha vida, me deixar impotente. Este não arranha, não azunha, simplesmente irrompe pela alma adentro
Prefiro o gato preto surgindo do nada, parecendo ameaçador, com seus olhos brilhantes e seu miado disforme, ao medo de caminhar por estradas que as pessoas de bem estavam acostumadas a passar sem temer pela vida. Nunca vi um gato de arma em punho.
O gato preto é apenas um gato, só que na cor preta. Apenas a cor do pelo o diferencia do gato branco, do gato malhado, do gato amarelo, do gato sem cor. Sendo apenas um gato, pode ser de qualquer cor. Meus olhos é que pintam o medo e a superstição que quero ter.
Na minha rua tem um gato preto, acho até que mais de um. Pode ser até vários, pois é costumeiro encontrar algum assim que vou dobrando a esquina. Tranquilo, mansamente calmo, vai seguindo seu traçado enquanto sigo com o meu. Olho pra ele, mas ele nem olha pra mim. Apenas segue sem ronronar maldizendo meu destino.
Tem um gato preto também no meu telhado. Só sei que é um gato preto porque tenho uma gata branca que também sobe no telhado ao anoitecer. Vou procurá-la, olho por cima da telha, mas na noite escura só enxergo o pelo branco. Mas sei que o gato preto está lá. E que amor agataiado!
Tenho cisma do uivo do lobo lá por cima dos montes, do choro solitário dos cães, do grilo que chora pertinho de mim e nunca o vejo, das vozes humanas que ecoam apavoradamente noite adentro. De tudo isso tenho cisma, medo não; apenas não me sinto bem ouvindo tanto piedoso lamento.
Mas o gato preto pode miar, gritar, grunhir, ronronar, fazer o quiser, na maior altura que for e no lugar onde estiver que não estarei nem aí. Não me espanto nem me assusto, nem vou atirar pau nem pedra para que silencie ou desapareça. Ele certamente tem seus motivos. Também tenho os meus para me preocupar com outras coisas.
Conheço gato preto que não azunha ninguém, não estraçalha ratos para comer, não traz pra casa o pelo cheio de imundícies ou doenças. Igualmente ao gato branco e de outras cores não gosta de tomar banho, isso é verdade. Mas mantém a língua sempre limpa pra com ela manter o asseio do corpo.
Certa noite, de plena escuridão por falta de energia, ao acender uma vela me deparei com um gato preto de olhos brilhantes bem na minha janela. Soltou um miado estranho, entrecortadamente fino e eriçou todos os pelos. E em seguida pulou em minha direção, caindo nos meus braços e derrubando a vela.
Aí ficou mansinho, apenas um tanto assustado. E foi então que descobri que o bichano estava com mais medo da escuridão do que eu. E adormeci ao lado do gato preto, sonhando com a perpétua ignorância do homem.


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: