SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 24 de maio de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (29)


                                                    Rangel Alves da Costa*


Um tanto assustada com o dinheiro, contou-o, achou muito, achou bom. Na verdade não entendia muito de dinheiro não e nem sabia o que poderia comprar com as notas que tinha em mão.
Tentando não demonstrar esse desentendimento acerca de valores e quantias, em seguida perguntou se o vendedor podia lhe prestar outro favor. E o homem respondeu que se estivesse ao seu alcance não teria problema algum.
Então Crisosta estendeu-lhe a lista de compras e perguntou se não dava trabalho demais ele providenciar aquelas compras lá na cidade, pois não estava muito disposta a ir até lá não. Perguntou ainda quanto daria para adquirir os produtos.
Contou, repassou a quantia e acrescentou mais quatro notas. Duas pra ele e duas para garantir que não faltaria. Agradecido demais, o homem disse que no dia seguinte ela nem se preocupasse que as encomendas estariam na sua porta. Ela nem precisava ir lá buscar.
Durante o retorno o medo se instalou de verdade na mocinha. Levava consigo o dinheiro que era garantia de sua sobrevivência não sabia por quanto tempo. E se algum malfeitor aparecesse por ali seria o fim.
Rezava a cada pedaço de chão e implorava ao Senhor dos Passos que a guiasse segura até sua moradia. Dessa preocupação nem se voltou atentamente para a mata tentando enxergar o menino. Estava apressada demais, sem tempo para resolver esse outro mistério. Mas solucionaria depois, não tinha dúvida.
Agradeceu a todos do céu por ter chegado em paz. Depois de abrir a porta e fechá-la de novo e rapidamente, a primeira coisa que fez foi pensar em arranjar um lugar seguro para esconder aquela quantia.
Pensou, pensou e pensou. Por fim, encontrou uma pequena lata de biscoito com tapa, colocou a maior parte do dinheiro dentro, fechou bem fechadinha e se dirigiu até o quintal. Aí abriu um buraco perto do galinheiro e deixou sua pequena riqueza guardada.
Verdade é que já estava chegando o entardecer, com o sol já avermelhando lá fora, o vento começando a soprar de um jeito diferente, as folhagens contando segredos entre si. Viu passar uma revoada de passarinhos e achou a coisa mais linda do mundo. Sentiu uma saudade imensa, uma saudade que não queria sentir naquele momento.
Saudade de sua mãe, do seu pai, de sua irmã, de seu irmão. Saudade do seu amiguinho caçador. Saudade de alguém que não existia ainda, pois saudade de um namorado, de um moço bonito que dificilmente iria encontrar.
Como o destino não avisa o que vai acontecer nem manda recados, talvez que algum dia um forasteiro moço surgisse do nada para fazer cumprir uma das sinas mais esperadas do ser humano, que é amar. Porque o amor é dádiva que todo mundo deve um dia receber para corresponder com exatidão.
Já era moça feita, adulta, bonita porque se achava no espelho e porque não haveria olhar que não se encantasse com aquela brejeirice doce e meiga. Pena que as flores do campo muitas vezes nascem e morrem sem jamais alguém apreciar sua beleza, sentir seu aroma, levar um buquê de sentimentos.
Frutas do mato, tão encantadoramente coloridas e saborosas, surgem apenas para o deleite das bicadas dos passarinhos. Dificilmente um caçador passa por ali faminto e estende a mão. O araçá docinho nasce e depois seca, a graviola depois se enfeia e murcha. E tudo sempre assim.
Mas com gente deveria ser diferente. Ninguém nasce para viver no abandono, na solidão, no silêncio dos tempos, desamparado nas distâncias de qualquer. Ninguém nasce sem coração que queira sorrir por dentro, que busque a felicidade, que queira abrir suas portas para o amor.
O amor de outra pessoa deveria ser muito bom, mas também muito difícil. Queria amar um dia sim, porém estava acostumada com sua vida de quase reclusão. Estava acostumada ao silêncio e à solidão. Só não sabia até quando.
Olhou pra cima e viu o sol se escondendo. O cachorro que de repente sumia no mato e ficava por lá, apareceu latindo. Latia e corria em certa direção, como se quisesse avisar sobre alguma coisa. Ela teve vontade de entrar na mata para ver se descobria o que era.
Mas logo escureceria e seria muito perigoso arriscar tanto sem saber o que poderia encontrar.
Continua...


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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