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sexta-feira, 11 de maio de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (15)


                                                             Rangel Alves da Costa*


Grito assombrado, assustado, esse brado vindo de lá de dentro. Eis que a mulher que havia ido buscar a água para despertar Crisosta, ao retornar da cozinha lançou o olhar além da porta do quarto e avistou a mulher morta.
A mãe do caçador de passarinho deixou a outra vigiando a mocinha e correu para ver o que estava acontecendo com a amiga. No pensamento, pelo berro descomunal, certamente havia visto coisa do outro mundo.
E havia sido quase isso mesmo. Coisa quase já do outro mundo, pois apenas o corpo desfalecido da mulher estendido na cama. Encontrou a outra assustada na porta do quarto e logo perguntou o que tinha acontecido.
Quando lhe foi apontado na direção da cama, levou a mão à boca assim que percebeu a triste ocorrência. Chamou a outra pra mais perto e nem chegaram a tocar na defunta. Ora, a cor e o aspecto já diziam tudo. Morta e bem morta, já de caminhada pra onde merecesse seguir.
Encontraram um lençol, jogaram por cima e saíram apressadas do local. Lá fora correram a abraçar a mocinha ainda sentada no chão. A que permaneceu ali ainda não sabia nada do que havia se passado lá dentro e nem o motivo desse abraço conjunto.
Quando soube ficou em tempo de desesperar. Disse que não era sem razão que a filha estivesse naquele estado. E começou a confortá-la dizendo que não se preocupasse que não ficaria sozinha naquele momento. E realmente não ficou.
Levada para dentro de casa, disseram que se ela não quisesse não precisava acompanhá-las até o quarto, mas que naquele momento precisavam fazer uma oração de encomendação da alma.
A mocinha ficou sentada ao lado da cama enquanto as três faziam preces e orações. A seguir a mãe do menino do passarinho disse que uma tinha de ficar ali enquanto ela e outra iam retornar para avisar aos maridos e mais pessoas e tentar providenciar um caixão para aquela pobre alma.
Mesmo de longe, foram chegando pessoas e mais de dez se predispuseram a continuar em sentinela até o amanhecer, quando o corpo seria enterrado. E assim, noite adentro, permaneceram entoando encomendações da alma. Velório agrestino é assim.
Um e outro chegavam perto de Crisosta para dar os pêsames, abraçá-la, confortá-la. Aceitava tudo em silêncio, fechada, num semblante que ninguém poderia dizer como estava. Verdade que pálida, lívida, olhos parecendo de água represada. Mas não falava nada, não dizia uma palavra sequer.
No cemitério quase no meio do mato, ao lado da sepultura recente do esposo, a mãe da mocinha desceu os sete palmos no meio da manhã. Sete palmos cavados, um pobre caixão, depois a terra jogada por cima. Apenas isso. Uma distância enorme separando tudo.
Depois da última pá jogada o retorno à vida. Os vivos enterram os mortos e depois têm de voltar à normalidade da vida, até fazer o mesmo percurso. E sendo levado. Agora cada um seguiria seu passo, seu caminho, seu destino, mas qual a estrada de Crisosta?
Por mais que quisessem acompanhá-la de volta até a casa, negou com acenos e gestos todos os pedidos e rogos. Quando abriu a boca foi para agradecer a presença no velório e no enterro, o caixão conseguido e por não permitirem que ela tivesse de fazer tudo aquilo sozinha. Não conseguiria.
E depois pegou o caminho de volta, o caminho de casa. A cada passo dado, de cabeça baixa como se não precisasse olhar para nada ao redor, imaginava apenas a solidão em que agora se encontrava.
Em tão pouco tempo e já havia perdido o pai, a irmã, o sobrinho e a mãe. Ainda restava um irmão. Mas será que ainda estaria vivo, será que voltaria um dia? E como ela queria acreditar que sim.
Quanta ilusão do desejo. Teria que se acostumar com a solidão. Por enquanto era apenas isso: solidão. Silêncio e solidão...
Continua...


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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