SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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quinta-feira, 3 de maio de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (7)

                                         
                                                            Rangel Alves da Costa*


Que ninar mais encantador, que cantiga saudosa saindo dos lábios de sua mãe, que momento mágico do acalanto à filha. Sua mãe sempre fazia assim. E do mesmo jeito acontecia naquele momento.
Era como se sua mãe estivesse sentada na cadeira de balanço com a filhinha no colo e cantarolando coisas para ela dormir senão o bicho vem pegar, que se a rua fosse dela mandaria ladrilhar com pedrinhas de brilhantes, se perguntando como um peixe vivo vive fora de água fria.
Tempos idos, que doces e lindos tempos idos, vividos! Agora ali, já um tanto fora de si, completamente tomada por um sono embalado pelo acalanto, tentando tomar novamente pé dessa incrível situação. Mas não podia.
E não podia porque a cadeira ainda estava balançando, o colo de sua mãe lhe acolhendo, a cantiga espalhando-se pelo ar e tudo fazendo que fosse criada uma névoa no ambiente. E o adormecimento lhe afastando de qualquer realidade.
Adormeceu completamente. E que sono viagem, sono caminho, sono voo, sonho misteriosamente encantador. E logo o sono sonho. Não se pode afirmar com certeza se era sonho, pois completamente transportada para outros tempos, tempos passados, vidas antigas.
Debruçada na janela, ouviu sua mãe gritando lá dentro que só mesmo Deus para mudar aquela terrível situação. Sem chover há mais de três anos, sem trabalho na lavoura, sem poder fazer qualquer plantação, faltando água e comida pros bichos, o povo passando por uma situação calamitosa demais.
Não era a primeira vez que ouvia sua mãe gritando aperreada desse jeito. Ela também sabia que a situação estava difícil demais, porém ainda era muito mocinha pra entrar nessas conversas de seca, de estiagem, de pobreza, de falta de tudo.
Começava a sentir na pele tudo isso, bem sabia. O banho agora era só uma vez por dia, e de cuia, com água pouquinha. Os barreiros e os tanques já não tinham água suficiente para um banho com mais vagar. O riachinho agora estava empoçando, sem nenhuma água correndo, ainda que salobra.
Uma das coisas que mais gostava na vida era de tomar banho. Mas não só se banhar como também se perfumar, se olhar no espelho do quarto, pentear os cabelos, se ajeitar todinha, vestir a roupa de chita limpinha e depois se achar muito bela, a moça mais linda do mundo, uma verdadeira deusa.
Assim, tomava banho, se perfumava todinha, vestia roupa limpinha e depois seguia sempre para a janela da casa. E quantos sonhos nasciam ali, quantas viagens fazia, quantos desejos afloravam.
E bastava fechar os olhos para se sentir uma princesa esperando o seu lindo príncipe encantado que riscaria ali, vindo numa nuvem dourada, montado num cavalo alazão, para segurar na sua mão, colocá-la na garupa e seguir viagem rumo à felicidade.
Abria os olhos e entristecia. No horizonte adiante nada mais que cores sem nuvens. Tempo abafado demais, triste, o arvoredo distante parecia cinzento. O vento passava apressado, folhas secas tomavam os espaços. Cadê a flor do seu jardim adiante?
Tinha um jardim bem no pé da janela, logo abaixo. Jardim de menos de metro de cumprimento com apenas uma roseira plantada. Mas nem mais jardim nem roseira, nem mais uma rosa sequer. Olhava pra baixo e avistava somente galhos secos, cinzentos, ossudos, quase restos quebradiços.
Só saía de lá quando sua mãe chamava. De vez em quando até dizia que ela cuidasse logo de arrumar namorado e casar e deixasse de tanto sonhar na janela. Já estava mocinha, em idade de namorar e casar, e por isso mesmo tinha de procurar dar um rumo na sua vida.
Mas daquela vez que sua mãe a chamou foi pra dizer uma coisa de cortar coração.
Continua...   



Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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