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terça-feira, 1 de maio de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: ALI O SILÊNCIO, ALI A SOLIDÃO... (5)

                                        
                                                              Rangel Alves da Costa*


Tão pouco restava dos tempos idos que nem era forçada a estar convivendo com sua história. A casa, a saudade, as relembranças, um velho baú esquecido num canto. Os retratos da parede viviam adormecidos, tristes demais, entregues ao silêncio dos túmulos.
Sua mãe era tão bonita, seu pai tão vistoso, seus irmãos tão bem parecidos. Assim se dizia por lá. Agora tudo amarelado, quase sem cor, num empoeiramento que aos poucos ia encobrindo todos aqueles amados rostos na parede.
Poeira sem sujeira, sem embranquecer a ponta do dedo. Poeira que dói, amargura, aflige. Poeira que o vento traz de uma forma diferente, pois com imagens, saudades, recordações. Poeira que não se lava, não se limpa nem se recupera, que é a poeira dos tempos, do passado, de vidas que não existem mais.
Depois de passar o espanador no retrato de seus pais, pegou a Bíblia em cima da mesinha e foi em direção à sua janela, à sua cadeira de balanço. Esticou a cabeça para o lado de fora e avistou ao longe alguém montado num cavalo vindo naquela direção pela estradinha que passava mais adiante.
Há mais de duas semanas que não passava ninguém pela estradinha, seguindo outras direções. Poderia ser bem mais do que isso, pois contava o tempo pela imaginação dos dias passando e não por qualquer calendário. Olhou novamente e cavalo e cavaleiro pareciam mais próximos.
Pensou o quanto seria bom que recebesse visita naquele dia, que alguém tivesse lembrado sua existência. Estava com vontade demais de conversar com alguém, saber de notícias, contar a história da pedra que não suportou a dor da solidão e se jogou do penhasco. Como o penhasco era a própria pedra, caiu onde estava e continuou mais triste ainda, mais solitária ainda.
Já havia contado essa história a muita gente. Todo mundo que chegava ali tinha de ouvir essa história. Não sabia de outra. Muitas vezes repetia para a mesma pessoa e talvez por isso as pessoas não queiram mais ir até ali ouvir sua história.
Até que pensou em inventar uma história nova, bem bonita e que tudo mundo quisesse ouvi-la mais de uma vez. Mas não sabia inventar história bonita não, só coisa triste. Podia contar a história de sua vida, de sua família, daquele lugar. Mas temia que ninguém desse a mínima importância.
A única história que conseguiu inventar e que não era muito triste dizia a respeito do vento ousado e desaforado que chegava na porta e na janela de tudo mundo e ia abrindo e entrando sem pedir licença ao dono da casa. Até que um dia um menino que estava com a bola murcha resolveu prender o vento e depois transferi-lo pro seu brinquedo.
Assim, quando o vento abusado entrou no quarto dele, o menino prendeu-o num saco e pronto. Nunca mais o vento quis ficar sendo chutado de canto a outro. E todo vez que vai chegando à casa dos outros se lembra de assobiar. Mas achou essa história simples demais e tratou de esquecer. Gostava mais da outra, a da pedra que não conseguiu pular do penhasco.
Se aquela pessoa batesse na sua porta contaria qualquer história. De repente lembrou que nem sabia mais se conseguiria falar alguma coisa. Tanto tempo sem dizer nada agora lhe causava um problema. A boca se abria sem norte, sem rumo, sem assunto algum, sem saber dizer mais uma palavra sequer.
Mas tinha de conseguir. Então olhou pro cachorro, forçou os lábios e chamou-o de gato. Depois olhou pra mesinha e chamou-a de pote. Ficou feliz. Já conseguia dizer alguma coisa. E colocou novamente a cabeça na janela para ver se a pessoa já estava pertinho. Mas não viu mais ninguém, nem sombra de cavalo e cavaleiro.
Mas não pode ser, pensou. Estava ali, eu vi. Pelo tempo já era pra estar por aqui. E resolveu sair do lado de fora da casa para olhar melhor ao redor. Não viu ninguém, não viu nada diferente. Mas ouviu uma voz vinda de dentro de casa. E era voz de mulher, uma voz reconhecida no âmago da lembrança.
“Filhinha, entre pra casa. Você anda meio gripada. Entre e venha brincar de boneca...”.
Continua...


Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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