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sexta-feira, 18 de maio de 2012

CARTA AO FILHO (Crônica)


                                                         Rangel Alves da Costa*


Desde que acordou abrindo o bico do galo e fez sua primeira oração, a mulher trouxe a imagem do filho ao pensamento. Há muito tempo que não sentia tanta saudade, que não pensava nele daquele jeito.
Saudade de mãe é dor, aflição, angústia, vontade de virar passarinho e se danar pelo mundo para saber como vai sua cria. E isto porque não vem só a recordação, mas também um certo temor que somente mãe conhece a gastura que dá por dentro e faz doer bem no coração.
Depois da prece pedindo por ele, pela sua sorte na vida e um breve retorno aos braços da família, começou os afazeres matinais. Ralou o milho com o filho no pensamento. Como ele gostava do cheiro e do sabor do cuscuz caseiro. Pisou café no pilão e era como se o seu menino estivesse gritando com uma xícara na mão e perguntando se já estava no ponto.
E a cada pensamento, a cada recordação, um desespero medonho tomando conta de tudo. Olhou o retrato dele na parede para ver se passava, lembrou momentos felizes, fez de tudo para manter o espírito calmo e confortado pela ausência. Mas não tinha jeito. E chorou. Que belamente melancólico é choro de mãe!
Foi enxugar as lágrimas precisamente numa roupa dele. Levantou a camisa e era como se o avistasse dentro dela ali adiante. Mas logo ele volta, não vai demorar muito e a porta vai se abrir para o sorriso, o abraço, o ficar no seu ninho. Pensava enquanto abria gavetas procurando papel de carta e caneta.
Todo aquele pensamente despertou uma vontade danada de escrever uma cartinha, coisa simples, dizendo da saudade que sentia a cada segundo, da falta que ele fazia a todos e da esperança que pudesse voltar sem demora.
Não sabia se o coração ia suportar de tanta alegria e felicidade, mas que prometia um caldeirão de doce de leite com bola, um bolo de macaxeira e uma buchada de bode, bem daquelas com tudo dentro que ele tanto gostava.
A ideia era escrever tudo isso, mas a mão trêmula ganhou vida própria, assenhorou-se do coração de mãe e rabiscou entre lágrimas:

“José, como vai meu filho?
É sua mãe Rosa Maria que lhe escreve pra primeiro dar um abraço e um beijo e depois dizer da imensa saudade que estou sentido. Entra dia e sai dia e eu não consigo esquecer o meu menino um só minuto. Desde que você saiu por aquela porta dizendo que tinha uma sina a cumprir noutro lugar, que não tenho tido mais felicidade na vida.
Se seu pai continuasse com a gente talvez fosse um pouco diferente. Mas a gente sabe que a mão de Deus levou ele pra bom lugar. Sem ele aqui você ficou sendo o homem da família. Tanto pedi e implorei, mas você sempre dizendo desse destino fora daqui e acabou indo. Foi, mas disse que ia voltar. O tempo tá passando, meu filho, e nada de você chegar pra molhar e depois enxugar de vez esses olhos sofridos de sua pobre mãe.
Mandei pintar a casa de branco com rodapé azul esperando você chegar. Ajeitei o seu quarto também, mudei a cama de lugar e comprei um guarda-roupa novo. A roupa que você deixou tá toda guardada lá. Tudo seu tá arrumadinho como deixou.
Me perdoe, meu filho, mas enquanto eu desarrumava o guarda-roupa velho acabei achando um bilhetinho que você acabou escondendo e esqueceu por lá. Li sem querer e até chorei de felicidade pelo que vi. É verdade mesmo que você gosta de Aninha? Gosto tanto dela, acho ela tão bonita, tão fina e educada, uma pessoa decente.
Se isso servir pra alegrar seu coração vou dizer. Nunca vi Aninha namorando com ninguém. O que a bichinha faz é vim aqui todo santo dia perguntar quando você vai chegar. Quando digo que não sei sinto no rosto dela uma tristeza danada. Não duvido meu filho que a mocinha tá apaixonada. E isso a gente logo vê nos olhos tristes dela quando recebe a resposta. Faça ela sofrer não, meu filho. Se você também gosta tanto só basta que arrume a mala e venha encontrar a mulher de sua vida. O seu quarto bem que cabe dois.
Mas tudo que disse sempre fica na vontade de Deus. Por isso mesmo me despeço sem falar no que está aqui lhe esperando quando chegar. Vai ser surpresa, mas antecipo que é coisa que vai gostar muito.
Agora de coração mais aliviado vou fazer minhas coisas. Essa hora e já tem gente batendo na porta e já ouço a voz de Aninha. É ela mesma que mais uma vez vem saber de você. Tudo depende de Deus, mas o amor e a felicidade também cabem a vocês.
Com um beijo e um abraço me despeço.
De sua mãe Rosa Maria”.

Ah, se a gente soubesse o que acontecerá amanhã, e depois e depois...


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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