SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 29 de abril de 2012

“VÁ NÃO ZEZIM!...” – “EU VOU, EU VOU!” (Crônica)

                              
                                                       Rangel Alves da Costa*


A linda sertanejinha entrou em casa correndo, assustando sua mãe. Jogou-se na cama aos prantos e ali ficou em tempo de se acabar. Cruel destino esse de amar alguém que agora decidia arrumar o embornal e cortar as estradas sangrentas dos sertões, saber que cada momento não era garantia de um só instante amanhã.
Ser amigo das catingueiras, dos bichos do mato, mas também inimigo das tocaiais e das emboscadas; ser amigo do sol e da lua, de cada poço d’água encontrado, mas também inimigo da curva da estrada, do morro adiante, da mataria silenciosa demais; ser amigo da sorte e do perigo, da vida aventureira e da luta contra as injustiças dos poderosos, mas também inimigo das forças governamentais, das armas da volante, dos coronéis mancomunados.
A mãe implorou de joelhos, pediu por tudo na vida e por todos os santos que o seu menino deixasse pra trás aquela decisão tomada. Não suportava imaginar ter o seu filho único, tendo deixado o cheiro de mijo há tão pouco tempo, sendo cangaceiro do bando de Lampião, arriscando a vida em que cada passo que desse. Tinha só coisa de quinze anos, portanto molecote ainda pra seguir destino tão arriscado.
Seu pai, o vaqueiro ainda novo e tão já envelhecido pelas lutas na vaqueirama, preferia não dizer nada sobre a decisão ostentada pelo filho. Verdade é que era tomado por uma sensação estranha por dentro. De um lado o orgulho pela valentia e destemor do seu menino, mas de outra banda o medo pelo desconhecido, pela entrega sem volta do seu a um mundo cercado por confrontos sangrentos, fugas desesperadas, ataques morticidas.
Enquanto a mãe chorava e fazia orações pelos cantos do velho casebre, o pai se punha de cabeça baixa sentado num tronco derrubado lá fora. Era uma agonia danada, uma dor no peito de não querer passar mais. Ele já tinha chamado o menino num canto e perguntado por que de repente havia decidido entregar sua vida e seu destino ao mundo cangaceiro.
O menino ficou de cabeça baixa e demorou a responder. Mas depois disse que sentia sangue de homem valente e que gente nessa qualidade não suporta ficar sem fazer nada a não ser ficar dia e noite olhando pra cima pra ver se tem alguma nuvem de chuva se formando, sofrendo junto com os bichinhos que não tinham nem o de comer nem o de beber, naquele desvão da vida que não trazia esperança alguma.
O pai sofria ainda mais ouvindo cada palavra do filho, mas também sabia que era coisa de sertanejo verdadeiro tomar a decisão que quisesse sobre sua vida. E sem querer entrar em outros detalhes, apenas apelou para algo que talvez amolecesse o seu coração e o fizesse desistir da partida, daquela viagem de difícil volta. Então perguntou por que ele ia abandonar Mariazinha que demonstrava gostar tanto dele.
E fui a vez de o mundo parecer se abrir aos pés do menino Zezim. Virou as costas pro pai, deu uns passos à frente, olhou para o mundo ao redor, percebeu tudo anuviado pelos olhos marejados e disse:
“Mai foi pru causo dela mermo que tumei essa decisão. Gosto tanto de Mariazinha que bem sei qui ela merece muito mais do qui um simple rapaiz sertanejo. Já dixe a ela qui vou ficá uns tempo no bando de Lampião e adespoi que já tivé famoso vou vortá e casá cum ela de veiz. E quano eu vortá ninguém vai mai me oiá cuma oia agora, quasi cuma um zé ninguém. Mai tomem tem outa coisa, pai. E vou tumem qui é pá o pai dela nunca mai dizê que num aceita ela cum eu. Se é caba macho, homi valente, vai ter...”.
Ainda de costas, agora limpando os olhos com as costas da mão, nem percebeu a visitante que havia chegado e silenciosamente se colocado ao lado de seu pai. Ainda sem ele perceber, Mariazinha se aproximou um pouco mais e disse: “Vá não Zezim! Vá não que agora já sei qui vosmicê é o homi da minha vida...”. Ele se voltou espantado, envolvido de um sentimento profundo ao ouvir aquela voz tão doce e conhecida, mas preferiu dizer: “Eu vou, eu vou. Mai vorto, mai vorto...”.
Não havia mais o que fazer, pensou ela enquanto o abraçava apaixonadamente. Foi quando lhe segredou alguma coisa ao ouvido. E no outro dia os dias tomavam o rumo das caatingas, de mãos dadas pelos caminhos cangaceiros dos sertões nordestinos.


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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