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quarta-feira, 11 de abril de 2012

OS DOIDOS GUIANDO OS CEGOS (Crônica)

                        
                                                     Rangel Alves da Costa*


O achado é da lavra de Shakespeare: É uma infelicidade da época que os doidos guiem os cegos.
Na época de reinado elisabetano, cenário de visão do poeta, até que tal afirmativa fosse permeada de espanto, como a indicar uma sociedade que perdeu seu rumo e seu norte, com cada um sendo carregado pela ignorância do tempo.
Hoje em dia, não só os doidos guiam os cegos, como também os sãos, os que se dizem equilibrados, todos que se acham normais. Do mesmo modo, os cegos todos os dias mostram direções àqueles que pensam enxergar demais.
Ora, o mundo atual perdeu todo o equilíbrio, respeito, decência. E num mundo como tal o inexplicável acontece, o inaceitável se normaliza, o inconcebível se torna plenamente justificável. Porque é o jeito, senão piora.
Daí que não só os doidos guiam os cegos como muitos se deixam guiar por qualquer coisa. É deveras espantoso como um pó, uma pedra, um cigarro possuem o poder de inapelavelmente conduzir tantas pessoas para o abismo.
Daí que não só os doidos se vêem guiando cegos como muitos, sem ter quem verdadeiramente os guiem, se entregam aos falsos profetas e falsas religiões, duvidosas igrejas e cínicos pastores, seitas destrutivas e seus guias doentios.
Os doidos guiam os cegos talvez porque estes não consigam perceber a condição daqueles e aqueles não saibam onde possam ou queiram levar seus conduzidos. Aqueles não têm a noção, estes não têm a percepção; aqueles apenas vão, e estes se deixam ir; aqueles são a sociedade em estágio brutal e desumano, louca, insana, enquanto estes são as pessoas com suas cegueiras voluntárias.
Os doidos continuam guiando os cegos porque estes enxergam e não querem ver. Não são cegos, apenas se abstiveram de olhar as coisas em profundidade para perceber os perigos a que estão expostos. Abrem os olhos, veem, sentem, mas sempre duvidam, e na dúvida a descrença.
Mas os doidos são espertos demais e muitas vezes guiam os cegos com suas missas, seus sermões, por lições e ensinamentos que não possuem nenhuma valia na vida própria, intimamente. E porque os cegos ficam mais cegos ainda diante da autoridade dos doidos, então os pecados que se revelam nos que ensinam a salvação sempre se tornam desculpáveis.
Serão doidos, ou não, estes indivíduos travestidos de religiosos, padres e sacerdotes, que pregam sobre o pecado nos cegos e não procuram se enxergar perante os seus muitos e múltiplos erros? Somente doidos para transformar sua missão numa vida de desregramentos, abusos sexuais, de pecados contra indefesos, dos maiores absurdos dentro da própria igreja que lhes foi confiada.
Mesmo sendo cegos e não podendo se esquivar no momento certo será sempre preciso muito cuidado com as pedras jogadas pelos doidos. Ora, as pedras são os brinquedos, os consolos, os passatempos dos insanos. E brincam e se divertem, mas de repente cismam de jogar tudo adiante e procuram acertar sempre na cabeça dos cegos que não têm como se proteger.
Mas nada de errado em jogar pedras nos cegos, principalmente porque vivem no estado de cegueira porque querem, gostam, parecem felizes com tal situação. Os cegos do voto poderiam reclamar das pedras jogadas pelos doidos da política? Os cegos da consciência e do senso crítico teriam algo a dizer contra aqueles doidos de poder que lhes compram com uma bolsa família ou um litro de leite aguado?
Realmente, é uma infelicidade da época que os doidos guiem os cegos. Bem que poderia ser o contrário. Os cegos guiariam os doidos e então as pessoas levariam de vez a vida em sociedade para o abismo. E tudo será num passo dos dias.



Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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