SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 17 de abril de 2012

O LAGO DOS CISNES (Crônica)


                                               Rangel Alves da Costa*


Sertão seco, esturricado, o sol queimando rente a terra, mais de três anos sem cair gota d’água. Mas ao anoitecer, como penitência dos eternamente apaixonados, o jovem matuto se dirigia ao seu Lago dos Cisnes.
Ali, João, que bem poderia se chamar Siegfred, o apaixonado do balé dramático de Tchaikovsky, também chamado O Lago dos Cisnes, começa a chorar sua tristeza pela bela Odete, que virou lama pelo feitiço da aridez nordestina.
Sol, o poderoso senhor do dia, não passa de um temeroso feiticeiro na região sertaneja. E foi ele que não tendo mais plantas nem animais para dizimar com sua fúria, um dia resolveu lançar sua cólera raivosa em cima da bela Odete, uma inocente caipira.
Tarde ainda brilhosa, quando Odete, de cabelo solto ao vento e toda vestida de chita, se aproximou do tanque para tentar encher seu balde de água, então o malvado Sol, que maliciosamente estava escondido por trás de uma nuvem, surgiu repentinamente e enfeitiçou a meiga sertaneja.
Secando todo restante de água que havia, em seguida resolveu transformar a mocinha no barro molhado e grudento que restou no fundo do tanque. Os que chegaram ali pouco depois do ocorrido acharam muito estranho o resto da água secar assim. O pior é que nem imaginavam que lá dentro, agora transformada em lama, estava Odete.
João, o Siegfred sertanejo, acabando de fazer o trabalho do dia debaixo do insuportável calor, não pensava noutra coisa senão jogar por cima do corpo uma cuia d’água, vestir uma roupinha remendada mas limpa, e sair correndo para o tanquinho. Era ali que todo entardecer esperava a passagem da donzela para entregar um buquê de flores do campo.
Na hora destinada ao encontro, assim que chegou às vizinhanças do tanquinho começou a ouvir comentários sobre a estranheza do restante de água que havia sumido. O que ainda dava para encher muitos potes, latas e vasilhames de uma hora pra outra simplesmente evaporou. Estranho também foi esperar e esperar, e esperar mais ainda, e nada de sua bela Odete aparecer.
João, talvez com o instinto próprio dos enamorados, logo começou a se preocupar demais com a ausência da mocinha. Contudo, acometido por um avexamento estranho no coração, sentia fortemente a presença dela por ali. Sentia o seu cheiro, o seu caminhar faceiro, seu sorriso de flor na manhã, sua inigualável beleza. Mas por outro lado, também parecia ouvir sua voz aflita, um murmurejar de palavras padecentes, um grito sufocado que não sabia de onde vinha.
E foi essa sensação de ter sua presença por ali que o fez continuar pelos arredores do tanquinho procurando-a por todos os cantos. E mais tarde, quando a noite chegou e já cansado resolveu sentar um instante à beira do tanque agora vazio, assim que a lua imensa lançou o seu raio sobre o fundo do tanquinho ele quase dá um grito de espanto.
Da lama espalhada no fundo foi surgindo uma formação esbranquiçada, depois mais uma e mais uma. Aproximou-se ainda mais, fixou bem o olhar e não quis acreditar no que parecia estar vendo. Três cisnes, branquinhos feito nuvem lavada ao leite, pareciam se mover por cima de uma água inexistente.
De um cisne, aquele mais bonito e imponente, ouviu primeiro o cantar de uma cantiga de roda. E depois, desse mesmo cisne alegre e tão triste, ouviu sair uma voz que não era outra senão a de sua bela Odete. E chamava pelo seu nome: João, João! E acabou contando ao rapazinho sertanejo o que o malvado Sol havia feito com ela e com as outras amigas.
Mas contou também qual a única coisa que ele poderia fazer para livrá-las daquela terrível maldição sertaneja. Somente com oração, com muita fé e devotada prece, impregnado de Deus de tal modo que as chuvas não tardassem a chegar. Chovendo, a maldição do Sol estaria quebrada e ela poderia voltar a ser como antes. E serem felizes para sempre.
Assim, ao cair da noite João seguia para a beira do tanque para rezar, implorar para que nuvens de chuva se derramassem logo sobre o sertão. Orava e começava a chorar entregue ao entristecimento, mirando o barro já quase endurecido para ver se seu cisne aparecia.
E uma noite chorou tanto que suas lágrimas encheram o tanque de água. Adormeceu ali mesmo e só acordou porque a bela Odete puxava-lhe o braço chamando para sair dali para se proteger da trovoada que já começava a cair com toda a força que a terra sertaneja merecia.
Enfurecido, o Sol prometeu que voltaria cada vez mais forte. E cumpre sempre com sua vingança. Porém, jamais conseguiu derrotar o amor, a força e a fé dos sertanejos.




Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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