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sexta-feira, 27 de abril de 2012

O DESMUNHECANTE (Crônica)

                     
                                                       Rangel Alves da Costa*


A amiga tinha o maior cuidado com o amigo. Sabia do seu segredo e fazia tudo para não ser revelado. De família tradicional como era, seria o fim do mundo.
Se fingia de namorada perante os pais dele, sentava em diálogo amigueiro para mentir contando sobre as peripécias amorosas do garanhão da casa, dizendo do seu imenso ciúme pelas tantas beldades que davam em cima do seu amado.
Mas o negócio dele era outro. Não era mulher nem beldade, não se sentia bem nem pensando na possibilidade de beijar uma boca feminina, tocar em seios rígidos, acariciar um corpo de misteriosa geografia, pecar no paraíso ao lado de faminta tigresa.
Se lesse essas palavras certamente ficaria com raiva. Só o fato de presumi-lo em braços de mulher o encorajaria pra briga, ficaria valente demais, viraria homem em estado brutal. Homem ele era, mas só no nome.
Homem só no nome. E isso ele mesmo tinha orgulho de dizer, porém somente à sua fiel amiga, sua sempre presente guardiã. Verdade é que viviam trancados no quarto, ali reservados na entrega amorosa. Assim imaginavam os seus pais.
Mas não, pois o quarto parecia o antro de lágrimas e entristecimentos, com o rapazinho reclamando da vida, maldizendo a sorte de ter nascido do sexo masculino, resolvendo a cada instante que não suportava mais viver assim e sairia do armário de vez.
De repente corria e dava gritinhos saltitantes se despedindo da amiga e dizendo que ia se jogar da janela. Mas se cair dessa janela você não quebra nem uma unha, dizia ela. Então ele ficava ainda mais raivoso e dizia que ia fazer uma corda de calcinhas para se enforcar. E morrer vestida naquela de lycra vermelha. E danava-se a chorar, rolando por cima da cama.
Mas um dia a fiel amiga resolveu fazer um teste perigoso demais. Segundo ela, tiraria a prova de uma vez por todas da preferência sexual dele. Então, no quarto de porta trancada, enquanto ele estava de costas ela ficou completamente nua e correu para abraçá-lo e acariciá-lo.
Levou um empurrão que rolou por cima da cama até cair no chão. E o pior é que foi expulsa dali debaixo de palavrões e ameaças e com a sentença de que nunca mais, jamais em momento algum de sua vida, colocasse os pés ali nem lhe dirigisse a palavra.
E choroso afirmou ainda que não dormiria à noite inteira pensando naquela coisa horrível e repugnante que era uma mulher nua e ávida por sexo. E também não tinha dúvida que teria de fazer análise para se livrar desse horrendo trauma.
Contudo, já no dia seguinte telefonou chorando e pedindo todos os perdões do mundo à amiga. Disse ainda que se ela pudesse passasse ali pois teria que sair com seus pais até à casa de amigos e estava com muito medo de se comportar e gesticular de modo que aflorassem as maiores suspeitas.
Quanto à calcinha que usava por baixo não, pois sabia que ninguém descobriria, muito menos desvendaria a face feminina que morava em seu íntimo, em seu interior mais profundo. O problema era outro. Tinha medo de se descuidar e de repente dar uma desmunhecada daquelas; tinha medo de encontrar por lá um garotão e não poder suportar a tentação.
Tinha medo de muitas outras coisas. Medo de que os seus pais descobrissem o róseo lilás que emoldurava o seu ego; medo de sair do armário e ser jogado na rua, sem roupa e sem armário; medo de sofrer os sofrimentos tão próprios das mulheres.
A amiga perdoou-lhe pelo incidente e logo bateu na porta do quarto. E já sabendo dos seus medos, chegou municiada com um verdadeiro arsenal para combater as fragilidades que poderiam recair naquela mimosa figura perante a sociedade preconceituosa.
Daí que levou óculos escuros e uma tipóia. E disse que mesmo que fosse à noite o encontro teria de usar óculos escuros para a eventualidade de encontrar diante de si outro atraente olhar masculino. De óculos escuros poderia flertar à vontade que ninguém perceberia.
E a tipóia era pra fingir estar com um braço fraturado. Com o braço preso na horizontal, a mãozinha poderia muito bem se soltar como quisesse que ninguém perceberia o desmunhecamento.
E com a outra mão, faço o que? Perguntou ele. Faça tudo, menos pegar a taça com a pontinha dos dedos. Respondeu a amiga.


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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