SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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quarta-feira, 25 de abril de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: FAZENDA TERRA DOURADA (Penúltimo)


                                                       Rangel Alves da Costa*


Os irmãos não acreditaram quando Engracina disse que a porção de ouro na mão de Licurgo não passava de carvão. Olharam assustados e se espantaram quando aquele objeto pareceu mesmo muito escurecido para ser o precioso metal. Permínio se voltou rapidamente para o esconderijo na parede, trouxe de lá outra porção e gritou desesperadamente ao constatar que o carvão sujava suas mãos e chegava a esfarelar.
“Sua feiticeira, maldita feiticeira, sua bruxa das trevas, solteirona mandingueira, traga o meu ouro de volta, traga o meu ouro, quero o meu ouro!...”. Após vociferar correu em direção à irmã para arrastá-la para junto de sua mãe e do padre. Quem já tinha levantado foi forçado, aos chutes e pontapés, a voltar para o chão.
Desconsolado, Licurgo chamava o irmão para irem embora dali antes que os capangas de seu pai chegassem com violência, porém este insistia em judiar suas vítimas, descontar naqueles inocentes toda a sua ira. O irmão lhe puxava o braço, forçava para que deixasse daquilo, e nada. Continuava cada vez mais violento.
E foi quando Engracina lembrou que os jagunços estavam ali fora, logo após a porta dos fundos, se encorajou e gritou o mais alto que pôde: “Socorro Celestino, socorro Celestino!”. E em menos de um minuto a jagunçada se punha na frente do pequeno altar com as armas voltadas em direção aos dois.
“Nem se mexam nem saíam daí. Se tentarem alguma coisa, ao menos imaginarem em reagir, terão o que merecer. E se virem para a parede, com as mãos para o alto”. Disse Celestino enquanto corria em direção ao pequeno grupo estendido no chão. O padre se debatia, a mocinha tentava se erguer, mas a gorducha Graciosa não se mexia.
Celestino virou o seu corpo, chamou pelo nome, bateu no rosto para ver se a mulher do coronel despertava, mas nada de conseguir. Engracina começou a sacudi-la, a tocá-la, para depois soltar um horrendo berro. Um medonho grito anunciou que sua mãe estava morta.
“Ela morreu, ela morreu, minha mãe está morta...”. E se voltando para os irmãos ainda de costas na parede, disse num terrível pranto:
“Estão vendo o que vocês fizeram, estão felizes pelo que vocês fizeram? Lembram dessa aqui deitada e agora morta, ou não? É sua mãe, vítima da violência, da arrogância, da ambição e da desonra dos seus próprios filhos. Será que esse maldito ouro teria mais valor do que a vida dessa que os criou, deu amor, carinho, afeição, fez de tudo para que crescessem sadios, educados, pessoas de bem? Mas não, como agradecimento a ingratidão, a violência, a morte. Dois meninos homens, duas pessoas boas, amáveis, educadas, respeitadoras. Para que vocês cresceram, para que se tornaram adultos, será que apenas para se tornarem nuns vagabundos imprestáveis, nuns safados e mentirosos, nuns dilapidadores dos bens da família, nuns monstros perversos? Agora virem pra cá e olhem o que vocês fizeram, virem-se e vejam se têm coragem de olhar para o que vocês fizeram. Oh, Deus, mas o remorso não cabe em monstro, o arrependimento não surge em animal insensível, o pesar não cabe no coração de quem não tem sentimentos. Mas haverá o dia que vocês ainda lembrarão dela, lembrarão da mãe como aquela que nunca lhes faltou. E lembrarão ainda mais quando sentirem que ela não está mais presente para lhes ajudar. E talvez nem ela nem vosso pai, pois a essa altura não terá sido outro o caminho seguido por ele. Se ainda estiver vivo certamente não suportará a perda de sua amada e muito menos a forma como ela partiu, por culpa de seus próprios filhos...”.
“E o que a mocinha quer que a gente faça com esses dois?”. Perguntou Celestino em seguida, ao que Engracina prontamente respondeu: “Nada. Não precisam fazer nada não. Deixem a porta livre para eles saírem. O próprio caminho da vida os colocará no banco dos réus para serem absolvidos ou não. Quem somos nós para penalizar quem é digno de piedade? Agora me ajude a colocá-la por cima de um desses bancos. E quanto a você, padre, arrume forças para ir lá saber como meu pai está e falar sobre o ocorrido. Não há outra saída, ainda que ele, se ainda estiver vivo, não consiga resistir ao saber da notícia...”.
Mas de repente um vulto irrompeu na porta e uma voz firme falou: “Não precisa não, minha filha. Já sei de tudo e estou aqui”. Era o Sinhô Badaró.


Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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