SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 20 de abril de 2012

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: FAZENDA TERRA DOURADA (12)


                                                      Rangel Alves da Costa*


Engracina, a filha do coronel e sua amiga, a Velha Totonha, que até instantes atrás estavam ao redor do imenso craibeiro nos arredores da fazenda, já haviam saído do lugar e seguido em direção ao casebre da filha de escravos. Se demorassem mais teriam visto Licurgo e Permínio se dirigindo até o fundo da igrejinha.
E somente por imposição da mocinha é que a velha amiga aceitou levá-la até sua moradia. Engracina agora queria a todo custo conhecer o misterioso quartinho que guardava a misteriosa e famigerada bacia dos pecados, objeto este que tanto transtorno trazia a toda família, principalmente ao seu pai.
Já sabia, pela boca da escrava, que a tal bacia guardava na sua água imunda todos os pecados dos Badaró. E agora de seu pai, Horácio Badaró. E este já tinha conhecimento disso e até se apavorado demais ao se ver refletido praticando tantos erros, verdadeiros absurdos, atos de infinita desumanidade.
E sabia também que se a água transbordasse, não suportasse mais tanta impureza, o seu pai acabaria morrendo. Para não transbordar repentinamente, todos os dias um pouco de ouro era lavado ali. Contudo, nem o ouro estava mais surtindo efeito. Daí aquela estranha enfermidade atacando o coronel, sinal maior de que o líquido pecaminoso logo se derramaria.
Mas fazer o que? Engracina estava em tempo de endoidar sem saber o que fazer. E por isso mesmo exigiu que a velha amiga, que também era guardiã do quartinho e da bacia, a levasse até lá. Precisava ver tudo aquilo de perto, pensar em encontrar um jeito de dar um fim a essa triste maldição. Ou faria assim ou seu pai correria o risco de morrer a qualquer instante.
Chegaram ao casebre no mesmo instante que os dois irmãos entravam pela porta dos fundos da igrejinha. O sol estava claro lá fora, mas um breu danado se espalhava por todos os recantos do lugar. Não sabendo onde poderiam encontrar lampiões, lamparinas ou mesmo candeeiros, foram acendendo fósforo atrás de fósforo em busca de qualquer objeto que pudesse trazer a iluminação suficiente para procurar o ouro escondido ali.
A essa altura o jagunço Celestino montava num alazão para ir chamar, em moradias mais afastadas, os outros cabras para fazer o trabalho exigido pelo coronel. Sabia que àquela hora do dia muitos já haviam saído para os matos, para juntar gado, consertar cercas caídas, ajeitar currais, capinar, fazer todo tipo de serviço.
Eram jagunços, porém não viviam só desse ofício de sangue, da tocaiagem, da pontaria certeira. O Sinhô Badaró dava outra função a cada um até para evitar falatórios, não surgirem conversas que mantinha entrincheirada uma tropa de pistoleiros. Assim, a não ser a exclusividade de Celestino, todos os outros se disfarçavam em outros afazeres. Contudo, bastava um grito e cada um se apresentava.
E foi assim que aconteceu. Celestino encarregou um de ir atrás de outros quatro e em menos de dez minutos já estavam chegando e perguntando quem dessa vez o coronel havia mandado derrubar. Desapontamento geral ao tomar conhecimento do que se tratava. Verdade é que não estavam acostumados àquele tipo de serviço, muito menos quando se tratava dos próprios filhos do homem.
Um dos cabras perguntou o que estava acontecendo de errado para que o patrão mandasse ir retirar os filhos da igrejinha daquele jeito, usando até da força e da violência se preciso fosse. Celestino até gostaria de saber para responder, mas como ainda não tinha certeza de nada preferiu silenciar. Mas não fez o mesmo quando outro perguntou se estavam autorizados a matar. “Os dois, se preciso for”. Foi a resposta.
Montados, passaram em frente ao casebre da Velha Totonha em disparada. Lá dentro, sem saber de nada do que se passava lá fora, Engracina se espantava com a pobreza encontrada. Para contrariedade da velha amiga, disse que iria mandar jogar tudo aquilo fora, inclusive cama, tamboretes e mesa. E também não aceitaria mais que ela vivesse ali quase no meio do tempo, num resto de moradia prestes a cair a qualquer momento.
De tanto reclamar, remexer e revirar, talvez houvesse esquecido o que realmente havia ido fazer ali. Mas não. Foi entrando mais pelo barraco e perguntando onde ficava mesmo o tal quartinho da bacia dos pecados.



Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: