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quinta-feira, 26 de abril de 2012

BEIJO DE LÍNGUA (Crônica)


                                                        Rangel Alves da Costa*


Coisa de juventude e até de brotinho com pelanca caindo, verdade é que tem gente que gosta de se lambuzar, de ser limpador de pia. Quanto no corpo não resta qualquer pureza, a safadeza jorra até pela boca.
Não tenho nada contra quem não conhece o significado nem a doçura saborosa de um beijo. Mas também não consigo entender qual o gosto de chupar saliva, micróbio e outras impurezas, e tudo com ânsia devastadora da boca do outro.
Se lembro do verdadeiro beijo logo repudio o beijo de língua. Há uma expectativa gostosa no corpo que diferencia tudo; há um calor sobre a pele que faz toda distinção; há um tremular do corpo que delimita o beijar.
Duvido que o beijo de língua anteceda a palavra de amor, o olhar de querer, o toque sensual, o abraço essencial. Duvido que esse beijo esguichado transmita aroma, absorva o calor labial, sinta no outro a ternura do toque.
O beijo, ainda que beijo de amor, é sagrada fruição. A aproximação da pele e o toque no lábio possuem o dom de ser a chave para se alcançar o íntimo. Feito magia, basta essa junção para que aquele que ama comece a se enraizar no outro.
Talvez não seja fácil de entender, mas tenha-se o exemplo da abelha na flor. Aquela, bicho temido, feroz, deixando vítimas onde repousa o lábio, talvez ame demais a flor e por isso mesmo a trata tão suavemente quando beija. Aproxima-se, faz o rasante, toca a pele, sente o néctar e vai embora feliz.
Eis também o exemplo do vento que ama e da folha entristecida. Mesmo que tenha o percurso de ventania, aproxima-se feito brisa da folha frágil e a toca, num beijo leve e sensual, fazendo-a estremecer levemente. E porque ama, e porque a quer, tem o cuidado de não abraçar demais e beijá-la avidamente, sob pena de vê-la despencar lá de cima.
Mas por que certas pessoas têm avidez vulcânica, avançam igual avalanches, se apossam tal qual redemoinho, lambem o que encontram pela frente como barragem que abre a comporta? E depois, qual o sabor do encontro, da passagem, da vivência daquele momento? E também qual o prazer na tresloucada avidez?
Ora, o beijo de língua, o beijo chupado, sugado, lambuzado, nada mais é do que fúria corporal que surge ao acaso. E surge assim, tão incidente e acidentalmente, que logo se depreende ser gesto sem nenhum significado amoroso maior, a não ser pela volúpia e pelo descomedimento erótico. Nesse desvão, a boca avança furiosa como se quisesse ferir inimigo em batalha.
Vivo repetindo que prefiro morder vagarosamente a maçã a abocanhá-la de vez, acho melhor saborear a uva do que mastigá-la com caroço e tudo, opto por experimentar o mel do que derramar a colmeia na boca, não duvido que prefiro sentir o chocolate morno nos lábios do que virar a xícara fumegante.
Quem quiser morda a casca da melancia e deixe a carne, dilacere a laranja e deixe o sumo, prefira a castanha ao caju, queira engolir a semente e deixar a polpa, negue a pele da fruta gostosa roçando no lábio. Quem quiser pode até fazer sangrar o outro lábio, cuspir na boca e quebrar os dentes, enfiar língua goela adentro até engasgar. É tudo uma questão de beijar, saber beijar e aceitar o beijo.
Mas a pedra não gosta da violência da onda, pois de tanto açoitá-la vai lhe corroendo; a mata não gosta da ventania feroz, pois não há saraivada de ar que não deixe a natureza mais pobre; a terra não gosta de enxurrada, vez que a correnteza leva adiante todo os nutrientes que restam. E por que alguém gostaria não de ser beijado, mas tomado pela fúria de uma boca que lhe invade feito tufão?
Quem beija na boca assim não pode beijar um rosto, eis que a face possui maçãs. E toda fruta gosta de ser saboreada e não brutalmente devorada.




Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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